terça-feira, 6 de setembro de 2016

A cada mês, dez pessoas tiram a própria vida no Distrito Federal

Em cinco de fevereiro de 2012, foi o marido da professora Rosane Barros, após 30 anos de casamento e dois filhos. Ele teve dinheiro, conquistou bens, mas faliu. Definido como esteio da família, destemido e forte, o empresário sucumbiu à depressão causada por dívidas. Com um tiro, ele se livrou do sofrimento em um domingo à noite, quando disse que iria até o trabalho, mas não retornou.
“Foi uma surpresa, mas hoje eu sei que ele deu todos os sinais”, reconhece Rosane. Na depressão, diz, ele ficou arrogante e se isolou no mundo dele. De vez em quando, falava que sumiria. “No dia anterior, se despediu da gente. Me beijou como há tempos não fazia, deu um abraço longo na filha e a gente não percebeu nada. Achávamos que ele estava triste, diferente, mas por conta do problema financeiro”.
Para trás, fica o sentimento de culpa: “E se eu tivesse percebido antes? E se tivéssemos saído naquele dia? E se…? É muito triste, duro”. Diagnosticada com câncer no ano anterior, pouco antes de o pai apresentar a mesma doença, Rosane se dividiu entre médicos e tratamentos: “Cuidei de mim, do meu pai, e não cuidei dele. É desesperador e só me desculpo porque eu estava em um processo dolorido”.
“Parar de sofrer”
Há quatro anos, ela carrega na bolsa fotos e uma das cartas que o marido deixou, já desgastada pelo tempo. “Estou consciente da loucura que vou fazer, mas acredite: não tive saída. As dívidas são minhas, não suas. Portanto estou pagando com a minha vida”, disse o homem em despedida, com muitos pedidos de perdão, declarações de amor e eximindo todos da culpa. No pescoço, Rosane mantém um colar com a foto do casal. No pulso, uma tatuagem o eterniza.
“Não acredito que tenha sido uma escolha. A doença não o deixou ter escolha. Hoje entendo que ele não queria morrer, queria parar de sofrer”, avalia. Quatro anos depois, Rosane consegue contar a história quase toda sem cair no choro. Falar sobre o que aconteceu foi o que a ajudou a seguir em frente e a acreditar no suicídio.
“Dói. Dói muito. O sentimento não é emocional, é físico. Nos três primeiros anos eu chorava todos os dias. Gritava dentro do carro. Eu não tinha depressão, eu tinha luto e não há remédio a prescrever. Na rua, pedintes batiam no vidro e me ofereciam abraço. O pior horário é de manhã, quando acordo e constato que a realidade é essa. Todos os dias é um soco e tenho que tomar a decisão de viver e tentar ser feliz”.
A memória não morreu. “Não vai ser um ato em um momento de desespero que apagará tudo o que ele fez. Foram 30 anos de alegria”. Para Rosane, não falar sobre suicídio é pior. “Às vezes, a gente não presta muita atenção nos outros, mas as pessoas dão sinais, pedem socorro, buscam ajuda”. Hoje, ela é voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV).

Pedido de socorro

Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina, dados subnotificados revelam que há 30 casos de suicídios por dia no País. Mostram ainda que 17% dos brasileiros pensaram em tirar a própria vida pelo menos uma vez, cinco% planejaram, 3% tentaram e 1% deles foram atendidos em prontos-socorros. Para cada caso fatal, são pelo menos 20 tentativas fracassadas. Na internet, o primeiro resultado encontrado para uma busca sobre o tema é uma oferta de ajuda.
Com auxílio, é possível superar
A principal ajuda disponível na internet é oferecida pelo Centro de Valorização da Vida (CVV). Gilson Moura, um dos voluntários, explica que o serviço é de apoio emocional. São 73 postos, 2 mil pessoas do outro lado da linha e mais de um milhão de atendimentos por ano. Em 2015, foram 1.840 do DF, entre ligações com pedidos de informação, silêncio e conversas. A linha 141 funciona 24 horas.
“Não aconselhamos, orientamos ou direcionamos. Somos amigos temporários. Quando a pessoa deixa clara a iminência do suicídio, oferecemos ajuda de profissionais. Se é negado, damos apoio emocional”, explica. Gilson crê que o preconceito, o silêncio e a falta de informações dificultam o enfrentamento.
Além disso, há os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), que podem ser procurados presencialmente para ajuda, e o único Núcleo de Saúde Mental (Nusam) do Samu no Brasil, que atende a pelo menos seis chamadas diárias de tentativas de suicídio: 180 por mês.
No DF e no Brasil

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, a polícia investiga dois pais que teriam se jogado de prédios com os filhos no mesmo dia.

No DF, no fim do mês passado, o corpo de um homem que estaria com depressão foi encontrado em um motel; um adulto se jogou da plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto – onde há pelo menos um caso a cada duas semanas -; e um policial civil deu um tiro em si mesmo.
Em Águas Claras, pelo menos quatro pessoas despencaram de prédios neste ano. Nos shoppings da cidade, mais de 15 suicídios aconteceram nos últimos 16 anos.
Cautela na abordagem do assunto
O tema é tabu, e poucos dados estão disponíveis. Corporações como o Corpo de Bombeiros, que atendem os chamados, preferem não comentar essas ocorrências. A própria OMS recomenda que o assunto não seja divulgado com frequência, para que não se estimule o ato.
Segundo a Secretaria de Saúde, a região do DF com maior taxa de suicídios em 2015 foi Brazlândia, com 17%, seguida de Águas Claras (10%) e Riacho Fundo I (9,8%). Em todo o DF, a taxa de mortalidade é de 4,5%. A maior parte das vítimas é formada por homens (70%), de 20 a 29 anos (21%), solteiros (66,9%) e com grau de instrução alto (31%).
A Secretaria de Segurança também fez uma pesquisa (veja no infográfico ao lado) e constatou que, em 2013, 131 brasilienses se mataram – nove a mais que os 122 registrados no ano anterior -, sendo 72% homens e 28% mulheres, e a maioria entre 40 e 60 anos.
Política pública
Há dez anos, o Ministério da Saúde instituiu diretrizes para prevenção. Entre as determinações está a de desenvolver estratégias de informação, de comunicação e de sensibilização da sociedade. O DF foi a primeira unidade da Federação a implementar uma política de prevenção, gerido pela psicóloga Beatriz Montenegro.
Para ela, é importante falar sobre o assunto de maneira preventiva. “É um problema de saúde publica. O impacto não é só por aquela vida, mas por todo o sofrimento gerado em volta da morte”, afirma.
Transtornos mentais, como depressão, são fatores que mais desencadeiam o problema e, tratados, podem evitar o pior. Desesperança, desespero, desamparo e impulsividade, histórico familiar de suicídio e fatores sociais podem ser condições de risco.
Saiba mais
O Brasil é o oitavo país com mais casos de suicídio em números absolutos. Na taxa por 100 mil habitantes, o País é o 113º no ranking com uma taxa de 5,8 – menos da metade da média mundial, de 11,4.
No DF, armas de fogo são o segundo maior meio utilizado para tirar as próprias vidas. Segundo o Mapa da Violência de 2016, de 1980 a 2014, 37.953 pessoas foram vítimas de suicídio por arma de fogo no Brasil. Mesmo assim, houve redução de 20,3% na taxa de suicídio proporcional no período.
Enquanto você lia essa matéria, pelo menos dez pessoas podem ter se matado em todo o mundo.

Serviço

Onde encontrar ajuda
Centro de Valorização da Vida (CVV): 141
Núcleo de Saúde Mental (Nusam) do Samu: 192
Centros de Atenção Psicossocial (CAPs): Taguatinga, Paranoá, Planaltina, Samambaia e Riacho Fundo (ligue 160)

Campanha de conscientização
No próximo sábado acontece o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, e, durante todo o mês, ocorrem campanhas de conscientização sobre a prevenção. O objetivo direto é alertar a população a respeito da realidade do suicídio no Brasil e no mundo, além das formas de evitá-lo. Locais públicos e particulares em são iluminados com a cor amarela.
Fonte: Jornal de Brasilia

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