sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

105 advogados lançam manifesto contra a inquisição atual no Brasil

Alguns dos mais renomados advogados do país divulgaram nesta sexta-feira (15) manifesto em que acusam a força-tarefa da Operação Lava Jato de violar garantias fundamentais dos suspeitos de participação no esquema de corrupção na Petrobras. O texto, assinado por 105 advogados foi publicado em diversos jornais do país. Na carta de repúdio, os advogados classificam a operação como “uma espécie de inquisição (neoinquisição) em já se sabe qual será o resultado” antes mesmo de os processos começarem a tramitar e atacam o que chamam de “vazamento seletivo” de informações sigilosas.

Os advogados também afirmam que as prisões têm sido usadas para forçar acordos de delação premiada. “Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática”, diz o texto.
Na sequência, os advogados apontam o que julgam ser as principais violações da Lava Jato:
“O menoscabo à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da jurisdição e ao princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e a violação às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira.”
O manifesto também mira o Judiciário, com críticas à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao juiz federal Sérgio Moro. “Magistrados das altas Cortes estão sendo atacados ou colocados sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos acusados”, diz o texto. “É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação”, afirmam os signatários, em alusão a Sérgio Moro.
Entre os advogados que apoiam o manifesto, alguns defendem réus da Lava Jato, como os juristas Técio Lins e Silva, Nabor Bulhões e Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que representa 11 investigados, como os senadores Edison Lobão (PMDB-MA) e Romero Jucá (PMDB-RR).
Leia a íntegra do manifesto:
Carta aberta em repúdio ao regime de superação episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato
No plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país. Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática. O menoscabo à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da jurisdição e ao princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e a violação às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira. O que se tem visto nos últimos tempos é uma espécie de inquisição (ou neoinquisição), em que já se sabe, antes mesmo de começarem os processos, qual será o seu resultado, servindo as etapas processuais que se seguem entre a denúncia e a sentença apenas para cumprir ‘indesejáveis’ formalidades.
Nesta última semana, a reportagem de capa de uma das revistas semanais brasileiras não deixa dúvida quanto à gravidade do que aqui se passa. Numa atitude inconstitucional, ignominiosa e tipicamente sensacionalista, fotografias de alguns dos réus (extraídas indevidamente de seus prontuários na Unidade Prisional em que aguardam julgamento) foram estampadas de forma vil e espetaculosa, com o claro intento de promover-lhes o enxovalhamento e instigar a execração pública. Trata-se, sem dúvida, de mais uma manifestação da estratégia de uso irresponsável e inconsequente da mídia, não para informar, como deveria ser, mas para prejudicar o direito de defesa, criando uma imagem desfavorável dos acusados em prejuízo da presunção da inocência e da imparcialidade que haveria de imperar em seus julgamentos.
Ainda que parcela significativa da população não se dê conta disso, esta estratégia de massacre midiático passou a fazer parte de um verdadeiro plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo às acusações formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de que os acusados são culpados (mesmo antes deles serem julgados) e pressionar instâncias do Poder Judiciário a manter injustas e desnecessárias medidas restritivas de direitos e prisões provisórias, engrenagem fundamental do programa de coerção estatal à celebração de acordos de delação premiada.
Esta é uma prática absurda e que não pode ser tolerada numa sociedade que se pretenda democrática, sendo preciso reagir e denunciar tudo isso, dando vazão ao sentimento de indignação que toma conta de quem tem testemunhado esse conjunto de acontecimentos. A operação Lava Jato se transformou numa Justiça à parte. Uma especiosa Justiça que se orienta pela tônica de que os fins justificam os meios, o que representa um retrocesso histórico de vários séculos, com a supressão de garantias e direitos duramente conquistados, sem os quais o que sobra é um simulacro de processo; enfim, uma tentativa de justiçamento, como não se via nem mesmo na época da ditadura.
Magistrados das altas Cortes do país estão sendo atacados ou colocados sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos acusados em recursos e habeas corpus ou porque decidiram ou votaram (de acordo com seus convencimentos e consciências) pelo restabelecimento da liberdade de acusados no âmbito da Opera- ção Lava Jato, a ponto de se ter suscitado, em desagravo, a manifestação de apoio e solidariedade de entidades associativas de juízes contra esses abusos, preocupadas em garantir a higidez da jurisdi- ção. Isto é gravíssimo e, além de representar uma tentativa de supressão da independência judicial, revela que aos acusados não está sendo assegurado o direito a um justo processo.
É de todo inaceitável, numa Justiça que se pretenda democrática, que a prisão provisória (ou a ameaça de sua implementação) seja indisfarçavelmente utilizada para forçar a celebração de acordos de delação premiada, como, aliás, já defenderam publicamente alguns Procuradores que atuam no caso. Num dia os réus estão encarcerados por força de decisões que afirmam a imprescindibilidade de suas prisões, dado que suas liberdades representariam gravíssimo risco à ordem pública; no dia seguinte, fazem acordo de delação premiada e são postos em liberdade, como se num passe de mágica toda essa imprescindibilidade da prisão desaparecesse. No mínimo, a prática evidencia o quão artificiais e puramente retóricos são os fundamentos utilizados nos decretos de prisão. É grave o atentado à Constituição e ao Estado de Direito e é inadmissível que o Poder Judiciário não se oponha a esse artifício.
É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação. Não há processo justo quando o juiz da causa já externa seu convencimento acerca da culpabilidade dos réus em decretos de prisão expedidos antes ainda do início das ações penais. Ademais, a sobreposição de decretos de prisão (para embaraçar o exame de legalidade pelas Cortes Superiores e, consequentemente, para dificultar a soltura dos réus) e mesmo a resistência ou insurgência de um magistrado quanto ao cumprimento de decisões de outras instâncias, igualmente revelam uma atuação judicial arbitrária e absolutista, de todo incompatível com o papel que se espera ver desempenhado por um juiz, na vigência de um Estado de Direito.
Por tudo isso, os advogados, professores, juristas e integrantes da comunidade jurídica que subscrevem esta carta vêm manifestar publicamente indignação e repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias que está contaminando o sistema de justiça do país. Não podemos nos calar diante do que vem acontecendo neste caso. É fundamental que nos insurjamos contra estes abusos. O Estado de Direito está sob ameaça e a atuação do Poder Judiciário não pode ser influenciada pela publicidade opressiva que tem sido lançada em desfavor dos acusados e que lhes retira, como consequência, o direito a um julgamento justo e imparcial – direito inalienável de todo e qualquer cidadão e base fundamental da democracia. Urge uma postura rigorosa de respeito e observância às leis e à Constituição brasileira, remanescendo a esperança de que o Poder Judiciário não coadunará com a reiteração dessas violações.
Alexandre Aroeira Salles 
Alexandre Lopes 
Alexandre Wunderlich 
Alvaro Roberto Antanavicius Fernandes 
André de Luizi Correia 
André Karam Trindade 
André Machado Maya 
Antonio Carlos de Almeida Castro 
Antonio Claudio Mariz de Oliveira 
Antonio Pedro Melchior 
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo 
Antonio Tovo Antonio Vieira 
Ary Bergher 
Augusto de Arruda Botelho 
Augusto Jobim do Amaral 
Aury Lopes Jr. 
Bartira Macedo de Miranda Santos
Bruno Aurélio 
Camila Vargas do Amaral 
Camile Eltz de Lima 
Celso Antônio Bandeira de Mello 
Cezar Roberto Bitencourt 
Cleber Lopes de Oliveira 
Daniela Portugal 
David Rechuslki 
Denis Sampaio 
Djefferson Amadeus 
Dora Cavalcanti 
Eduardo Carnelós 
Eduardo de Moraes 
Eduardo Sanz Edward de Carvalho 
Felipe Martins Pinto 
Fernando da Costa Tourinho Neto 
Fernando Santana
Flavia Rahal 
Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto 
Francisco Ortigão 
Gabriela Zancaner 
Gilson Dipp 
Guilherme Henrique Magaldi Netto 
Guilherme San Juan 
Guilherme Ziliani Carnelós 
Gustavo Alberine Pereira 
Gustavo Badaró 
Hortênsia M. V. Medina 
Ilídio Moura 
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho 
Jader Marques 
João Geraldo Piquet Carneiro 
João Porto Silvério Júnior 
José Carlos Porciúncula 
Julia Sandroni
Kleber Luiz Zanchim 
Lenio Luiz Streck 
Leonardo Avelar Guimarães 
Leonardo Canabrava Turra 
Leonardo Vilela 
Leticia Lins e Silva 
Liliane de Carvalho Gabriel 
Lourival Vieira 
Luiz Carlos Bettiol 
Luiz Guilherme Arcaro Conci 
Luiz Herique Merlin 
Luiz Tarcisio T. Ferreira 
Maira Salomi 
Marcelo Turbay Freiria 
Marco Aurélio Nunes da Silveira 
Marcos Ebehardt 
Marcos Paulo Veríssimo
Mariana Madera
Marina Cerqueira 
Maurício Dieter 
Maurício Portugal Ribeiro 
Mauricio Zockun 
Miguel Tedesco 
Wedy Nabor Bulhões 
Nélio Machado 
Nestor Eduardo Araruna Santiago 
Nilson Naves 
Paulo Emílio Catta Preta 
Pedro Estevam Serrano 
Pedro Ivo Velloso 
Pedro Machado de Almeida Castro 
Rafael Nunes da Silveira 
Rafael Tucherman 
Rafael Valim
Raphael Mattos 
Renato de Moraes
Roberta Cristina Ribeiro de Castro Queiroz 
Roberto Garcia 
Roberto Podval Roberto Telhada 
Rogerio Maia Garcia 
Salah H. Khaled Jr. 
Sergio Ferraz 
Técio Lins e Silva 
Thiago M. Minagé 
Thiago Neuwert 
Tiago Lins e Silva 
Ticiano Figueiredo 
Tito Amaral de Andrade 
Victoria de Sulocki 
Weida Zancaner”