segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

ADMIRADORES DO NAZISMO EM CALDAS NOVAS ESTÃO DELIRANTE PELO O QUE ACONTECE NA EUROPA

Em 30 de abril de 1945, o Exército americano tomou Munique do controle nazista. Ao sitiar a cidade, as tropas aliadas também se apoderaram da editora Franz Eher Nachfolger GmbH, responsável pelas publicações do Terceiro Reich. Com o fim da ocupação, os direitos autorais da antiga editora se tornaram propriedade do Estado da Baviera. A maior – e mais infame – peça do acervo é, sem dúvida, o livro Mein Kampf (Minha luta, em português), manifesto nazista escrito por Adolf Hitler entre 1924 e 1925, aos 35 anos. Durante os 70 anos que se seguiram após a Segunda Guerra Mundial, a Baviera controlou firmemente a publicação do manifesto nazista, símbolo do pensamento racista e beligerante que levou o mundo a seis anos de combates sangrentos e a 50 milhões de mortes. Desde então, nenhuma nova edição teve o aval para impressão. Segundo o Direito alemão, porém, 70 anos é o limite de validade dos direitos sobre uma obra após a morte do autor. Hitler morreu em 1945, e Mein Kampf entrou em domínio público em 1º de janeiro desse ano. Qualquer um terá, então, direito a publicá-lo. Já é possível encontrar o texto na internet, em leilões de edições raras ou em sebos. O maior receio dos alemães é quanto a possíveis usos comerciais e, principalmente, políticos do texto. Não é para menos. A obra termina, afinal, com um apelo fanático e racista: “O Estado que recusa a contaminação racial vai inevitavelmente dominar a Terra”. Setenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha redescobre que o passado não é passado – e se vê mais uma vez diante do dilema sobre como lidar com Hitler.

A escolha alemã não é simples. Envolve a tensão entre dois princípios basilares da Civilização Ocidental: a liberdade e a dignidade. O que deve prevalecer: a liberdade de circulação de um livro, por mais maldito que seja? Ou a dignidade das vítimas das atrocidades patrocinadas pela ideologia contida na obra? Setenta anos depois, estará a Alemanha pronta para esse debate? O Instituto de História Contemporânea de Munique trabalha há três anos para responder a esse dilema. Para os diretores do instituto, a Alemanha precisa enfrentar o texto de Hitler. Fundado no final dos anos 1940 para estudar os fenômenos do nazismo, o instituto é considerado um dos principais centros de estudos sobre o tema no mundo. Uma equipe de cinco historiadores finaliza uma edição comentada do livro. Ela explicará o contexto em que Hitler escreveu a obra – e como ele se tornou o ditador responsável pelo extermínio de milhões de judeus, negros, ciganos e homossexuais, além de opositores ligados a partidos de esquerda. Os comentários históricos transformarão a obra, originalmente de 780 páginas, em um colosso de 2 mil páginas. Além de contextualizar o Mein Kampf, a equipe de pesquisadores vai apontar omissões, mentiras e contradições no discurso de Hitler – um mosaico de meias verdades e mentiras completas, até hoje bastante comum em narrativas da extrema-direita europeia. Por exemplo, a nova edição ressaltará que, apesar de criticar em Mein Kampf o tratamento dispensado aos veteranos da Primeira Guerra Mundial que sofriam de sequelas causadas pelos combates, Hitler, uma vez no poder, ordenou a eutanásia de 5 mil veteranos. “Uma leitura crítica ajudará a evitar que futuros leitores acreditem naquela narrativa absurda. Acreditamos que seja a melhor maneira de prevenir que tais argumentos sejam novamente evocados”, diz um dos diretores do instituto, o historiador Magnus Brechtken.
O projeto reabriu na Alemanha feridas que, na verdade, nunca cicatrizaram. Organizações de vítimas do Holocausto se manifestaram contra a publicação do livro, mesmo que numa edição crítica. O presidente do Fórum Judeu pela Democracia, Levi Salomon, declarou: “Sou peremptoriamente contra a publicação de Mein Kampf, sob qualquer circunstância. Como se pode contextualizar o diabo?”. Outras organizações judaicas, ligadas à pesquisa histórica, entretanto, apoiam o projeto. Até mesmo o Estado da Baviera entrou na polêmica. Inicialmente engajado na execução da edição comentada, o governo regional doou meio milhão de euros para o trabalho editorial. Mas, em função dos ataques de grupos judaicos, a Baviera se desvinculou completamente do trabalho em dezembro de 2013. Ou quase. Os contribuintes alemães continuam pagando pela nova edição, uma vez que o instituto é bancado com verbas públicas, e o dinheiro que já havia sido investido não precisou ser devolvido aos cofres públicos. Para Edouard Husson, professor de história contemporânea da Universidade Jules Verne e especialista em nazismo, a iniciativa é de fundamental importância. “Infelizmente, é um livro muito claro em seus propósitos. Seu status clandestino lhe deu ainda mais notoriedade atualmente. Essa primeira edição crítica certamente ajuda a desmitificar esse texto, cujos argumentos ainda são repetidos por extremistas antissemitas, tanto de direita quanto de esquerda”, pondera.

Nenhum comentário:

Postar um comentário