domingo, 17 de fevereiro de 2013

CORONEL DESABAFA


O calvário enfrentado pelo coronel da reserva remunerada da Polícia Militar e professor universitário Júlio Cezar Costa chegou ao fim no dia 5 de janeiro de 2013, depois de mais de dois anos de melancolia. Nesse dia, à unanimidade, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo confirmou em julgamento que o oficial mais condecorado e elogiado da PMES não interferiu em ocorrência policial relativa a delito de trânsito.

Desde o final do julgamento no Tribunal de Justiça, o Blog do Elimar Côrtes vinha insistindo entrevistar o coronel Júlio Cezar, um dos autores do livro “Segurança Pública: Convergência, Interconexão e Interatividade Social” – o outro autor é o também coronel da reserva João Antônio da Costa Fernandes.

O oficial resistiu, mas acabou concordando em falar: “Aprendi com o Evangelho que o perdão é sempre bom para a alma”, diz Júlio Cezar, ao comentar que não guarda ressentimento das pessoas que tentaram prejudicá-lo.

Em meados de 2010, o então chefe da Diretoria de Logística (DAL) da Polícia Militar, coronel Júlio Cezar Costa, que estava de serviço, telefonou para o Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes) para determinar ao capitão responsável pelo plantão que enviasse um oficial ao local de uma  ocorrência de trânsito, onde policiais militares estavam abordando um advogado.

O advogado telefonou para o coronel Júlio, de quem é amigo, solicitando orientação sobre como teria que proceder porque estava se sentido ameaçado pelos policiais. A ocorrência seguiu normalmente e o advogado, que havia cometido delito de trânsito, foi multado.

O Ministério Público Militar analisou o caso e nem chegou a oferecer denúncia contra o coronel, pois considerou que ele não transgrediu a disciplina militar.

Mas a Promotoria Cível de Vitória decidiu denunciar o oficial por improbidade administrativa. Em sentença assinada no dia 18 de abril de 2012, o juiz Jorge Henrique Valle dos Santos, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, julgou improcedente a ação do Ministério Público e inocentou o coronel. Decisão que acaba de ser confirmada pelo Tribunal de Justiça.

O coronel Júlio Cezar foi inocentado seis vezes ao longo desses dois anos: duas vezes pela Justiça, uma pelo Ministério Público Militar, uma pelo Conselho Superior do Ministério Público Estadual e duas na Polícia Militar, incluindo a Corregedoria Geral da PM.


Blog do Elimar Côrtes - Como foi todo esse tempo de angústia?
Coronel Júlio Cezar Costa - Desde o surgimento da primeira notícia que eu insisti com o veículo de comunicação que divulgou o assunto que estava para ser feita uma grande injustiça e que o único objetivo do vazamento da conversa com o serviço do Ciodes tinha por fim não permitir, talvez, a minha possível chegada ao Comando Geral da Polícia Militar.

Eu estava vivendo um grande momento na PM, introduzindo, juntamente com uma equipe competente e com o apoio da maioria do Alto Comando, uma verdadeira revolução que marcou história na PM. Criamos o Centro Logístico da PM, focamos nosso trabalho no atendimento policial de ponta, dando a ele todo instrumento, desde uniforme que há anos não recebia, até armas modernas para sua atuação nas ruas.

A preocupação com o policial de ponta era tão grande que até protetor solar o policial recebeu, numa ação inédita em termos de Brasil. Equipamos e modernizamos a logística, reformamos dezenas de quartéis em tempo inédito e criamos, com nossa equipe, um pensamento positivo que procurava atingir o trabalho policial para melhorar a segurança da sociedade.

O trabalho desenvolvido pelo senhor como comandante do 11º Batalhão (Barra de São Francisco) tem a ver com essa revolução?
O exemplo de Barra de São Francisco serve para provar que, ao fazermos coisas diferentes, vamos obter resultados diferentes. Deu certo. Ainda hoje sou bem lembrado nos quartéis da PM.

Durante a fase em que foi atacado como o coronel que disse uma frase considerada por muitos imprópria, o senhor teve apoio dos colegas de farda?
Sofri um verdadeiro achincalhe moral sem direito algum de defesa, mas não perdi o apoio interno da maioria dos coronéis que compõem o Alto Comando, bem como  recebi mais de 430 correspondências eletrônicas de solidariedade vinda de todo o Brasil e, principalmente, dos oficiais e praças da Polícia Militar. Todos diziam ‘o senhor está sendo mais uma vez injustiçado; não querem que o senhor seja o nosso comandante geral’.

Num verdadeiro ritual da inquisição, consegui mostrar em todas as instâncias e lugares que a minha ação em defesa da cidadania e contra qualquer possibilidade da violação dos direitos humanos havia obedecido a lei e a ética policial militar.

Ninguém foi favorecido. Pelo contrário, o advogado que me acusaram proteger acabou punido com várias multas de trânsito e nenhum dos 19 policiais ouvidos pelo Ministério Público Militar e pela Justiça disse ter recebido ordem ilegal ou interferência de minha parte.

Eu estava de serviço naquela noite e fiz cumprir todo rito de uma ocorrência policial. E quiseram me acusar por uma mera palavra, pelo uso de um jargão militar que até Napoleão Bonaparte utilizava com frequência.

O Ministério Público Militar apurou e concluiu que eu não cometi crime. Depois, o Conselho Superior do MP, à unanimidade, concluiu a mesma coisa.

Por que aconteceu, conforme o senhor afirma, essa perseguição?
Penso que sofri uma perseguição política por não ter me dobrado aos caprichos daqueles que queriam uma PM submissa e sem autonomia. Recusei convites e tenho isso (convites) por escrito, quando quiseram que eu voltasse com o Pro-Pas e a Polícia Interativa para salvar um período do governo passado que tinha levado a segurança pública ao verdadeiro caos, conforme as estatísticas provam, e que transformou o Espírito Santo em tricampeão nacional de mortes de jovens, mulheres e negros.

Por que o senhor recusou os convites?
Porque nunca aceitei trocar princípios por interesses. Ou seja, me recusei a trabalhar numa época em que houve a midiatização política da segurança pública.

Como se deu o seu afastamento?
Fui afastado mesmo sendo o coronel mais condecorado e com mais elogios funcionais naquela época (final de 2010). Mas tive meu retorno garantido mais uma vez por decisão isenta da Justiça capixaba. Porém, não quis retornar à ativa, preferi gozar as minhas primaveras escrevendo meu primeiro livro.
Na verdade, eu fui um condenado político por aqueles que no passado não conseguiram me subjugar profissionalmente. A Corregedoria Geral da PM esteve ao meu favor com um belíssimo parecer do sempre honesto e rigoroso corregedor geral, à época, o coronel Dejanir Braz Pereira da Silva, que julgou indevida a minha “condenação”.

O senhor foi submetido a um Conselho de Justificação?
É verdade que o fato já até prescreveu, segundo o Regulamento Disciplinar da PM, mas eu nunca fui submetido ao Conselho porque, além de inconstitucional, seria ilógico. O Conselho nunca existiu na prática. Eu entendo que seria difícil condenar o oficial mais condecorado e elogiado da PM naquele momento e que nunca foi punido em quaisquer instâncias em seus 30 anos de serviço.

Qual foi o papel do governador Renato Casagrande nesse episódio?
Fiz faculdade de Direito com o governador Renato Casagrande por três anos, em Cachoeiro de Itapemirim. Depois convivi com ele à época em que era secretário de Agricultura do município de Castelo e assisti muitas de suas palestras no Batalhão de Alegre. Para mim, trata-se de um homem de respeito e que soube também agir para não cometer injustiça contra um oficial que doou a sua vida e carreira para o bom serviço da Polícia Militar e à sociedade.

Acredito que o governador, mesmo que isso não seja dito pela grande imprensa capixaba, esteja lutando para fazer pela primeira vez o que se fez depois da existência do Programa de Planejamento de Ações de Segurança Pública (Pro-Pas), que é o Estado Presente. Trata-se de um bom programa e que vai dar certo, pois acabou a era de politização da segurança pública.

Quais são seus vínculos hoje com a Polícia Militar?
Como professor universitário, me dedico a pesquisar as causas da insegurança pública no Espírito Santo e no Brasil, mas no que tange à PM, mantenho por ela um forte amor, respeito e uma grande amizade por inúmeros companheiros que sempre me honraram naquele instituição.

Para mim, continuo achando que a PM é a mais antiga e fiel instituição do Estado e acredito muito em seu potencial na defesa da sociedade. Ela é o berço da coragem do povo capixaba. Hoje, me dedico a escrever meu segundo livro.

Como foi a sua experiência na Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social de Vila Velha?
Foi ótimo trabalhar com o secretário Ledir Porto e poder mostrar o quanto o município pode fazer pela segurança do cidadão. Ali, criamos a Rede de Pontos Seguros, a visualização da segurança pública. Lançamos a ideia de uma primeira Guarda Pacificadora Municipal e demos início à formação da segurança pública ao nível de município.

O senhor voltaria a atuar na segurança pública caso surgisse convite?
Isso não está nos meus planos, mas sempre poderei ajudar meus companheiros da PM que busquem melhores dias para a segurança pública. E para isso não preciso de cargo: as minhas ideias não morreram e estão em meu livro.

O senhor tem ressentimento? 
Aprendi com o Evangelho que o perdão é sempre bom para a alma.

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