Poucos dias depois de conflitos violentos na região se intensificarem - resultando em dezenas de feridos e na morte do líder Semião Fernandes Vilhalva, de 24 anos, assassinado com um tiro no rosto durante uma ofensiva armada de fazendeiros no município de Antônio João -, a Federação da Agricultura e Pecuária de MS apresentou, na sexta-feira (11) um balanço anual do agronegócio sul-mato-grossense, o Infoagro 2015.
Segundo a entidade, a produção agrícola em MS cresceu 1.493% desde a safra 1977/78, passando de 987,2 mil toneladas para 15,7 milhões de toneladas previstas para a safra 2014/15. A área destinada ao plantio de grãos também aumento consideravelmente - 191% no mesmo intervalo.
Ao mesmo tempo, desde 2003, o Mato Grosso do Sul é o estado com maior número de assassinatos de índios. No ano passado, segundo o Cimi, 25 dos 70 casos aconteceram no estado. "O Mato Grosso do Sul é um estado majoritariamente ruralista e praticamente todas as fazendas estão em territórios tradicionais indígenas. A situação hoje lá é erro do próprio Estado brasileiro quando, na ditadura, doou estas terras para os fazendeiros. Hoje há este conflito intenso porque os indígenas começaram a lutar pela retormada dos territórios", explica Sônia Guajajara, coordenadora Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Panambi-Lagoa Rica
A intensificação dos conflitos no estado do governador Reinaldo Azambuja (PSDB) deu-se a duas semanas e em dois episódios. O primeiro em uma ocupação dos indígenas em fazendas de criação de gado, que estão localizadas na Terra Indígena Ñanderú Marangatú, em Antônio João, município a 402 km da capital Campo Grande.
O território é palco de um longo processo de disputa. Homologada em 2005 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a terra indígena teve os efeitos da homologação suspensos pelo então ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal (STF), após um mandado de segurança impetrado, em julho daquele mesmo ano, pelos fazendeiros da região contra o decreto. Desde então, o processo está travado.
Com a ocupação dos indígenas na fazenda, produtores da região atacaram o local armados atirando e espancando os ocupantes. O resultado foi a morte de Semião e dezenas de índios feridos e desabrigados.
Autoridades, como o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, visitaram o local e realizaram várias reuniões, mas, segundo Flávio Vicente, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) do Mato Grosso do Sul, a situação continua preocupante, uma vez que não houve nenhuma ação que sinalizasse a solução do problema na região. Tanto os indígenas quanto os fazendeiros, diz ele, não estão mais acreditando nas propostas do governo em função da morosidade do governo federal em dar ações concretas.
"Você tem um poder que não avança nas suas obrigações constitucionais no que diz respeito à demarcação das terras indígenas, que é atribuição exclusiva do Poder Executivo. Enquanto isso não avança, em razão de acordos que ele deu ao agronegócio, você tem por outro lado um poder Judiciário, que simplesmente gera uma morosidade criminosa nos processos de demarcação, e o Poder Legislativo que, na perspectiva de não demarcar mais terras, tenta propover mudanças legislativas que são nocivas aos direitos dos indígenas", lamenta Vicente, fazendo menção às duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 e 71/2011, que tratam da demarcação de novas terras indígenas no Congresso.
Impunidade
Em processo de demarcação desde 2008, a Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, localizada entre os municípios de Douradina e Itaporã, também foi palco de outro conflito armado poucos dias depois da morte de Semião. Na ação, os índios Guarani-Kaiowá, que ocupavam uma fazenda pertencente a terra indígena, foram atacados e expulsos do local por fazendeiros armados, que dispararam tiros e incendiaram o acampamento.
O Ministério Público Federal no Mato Grosso do Sul (MPF-MS) determinou instauração de inquérito policial para apurar possível prática de formação de milícia privada. Presente em ambas os locais de conflito, na semana passada, segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta (PT-RS), nenhum fazendeiro em Douradina procurou a Justiça ou autoridades para pedir pela reintegração de posse do local ocupado.
Para ele, a impunidade das ações desses grupos armados em situações anteriores fez com que os fazendeiros agissem novamente sem receio de punição. "Não deu 24 horas entre os índios entrarem na área e serem expulsos de maneira extremamente violenta [...]. O episódio de Douradina é importante porque revelou a consolidação de um modus operandi onde cada vez mais um grupo de produtores optou por trabalhar a revelia da lei. Este episódio vai proporcionar um fato novo que é uma ação do Ministério Público Federal contra estes grupos de produtores por formação de milícia", pontuou.
Na instância jurídica, poucos dias após o segundo conflito, um fator foi inserido na disputa em favor dos indígenas. Na sexta-feira passada, o MPF - MS ajuizou uma ação requerendo a nulidade de títulos de propriedade que incidam sobre a Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica. Para o MPF, os títulos das propriedades devem ser considerados nulos porque foram concedidos contrariando a Constituição da época (1934), que vedava transferência de terras ocupadas por comunidades indígenas.
Crédito: Cimi |
Segurança
Diante de toda instabilidade no território que se alastrou para todo o estado, impedindo, por exemplo, que os indígenas tenham acesso a bens básicos, como medicamentos e alimentos, quatro municípios - Antônio João, Aral Moreira, Bela Vista e Ponta Porã - passaram ser controlados pelo Exército, por meio do decreto de Garantia de Lei e Ordem (GLO), assinado pela presidenta Dilma Rousseff.
"A presença do exército cria uma aparente estabilidade. Os indígenas permanecem com uma área importante de retomada onde ocorreu a morte de Semião, mas não há uma postura por parte dos produtores de demonstração de que vão aceitar a permanência dos indígenas ali", avalia Pimenta.
Outro agravante é que a presença das Forças Armadas foi aprovada apenas para o território onde Semião foi assassinado. A região de Douradina continua desassistida, no entanto, segundo Pimenta, a Comissão de DH da Câmara vai pedir pela ampliação GLO. "Há uma percepção de que é preciso pensar de uma maneira mais ampla toda aquela região em função dos conflitos cada vez mais frequentes", disse.
Outra tentativa de resolução das recentes ações violentas foi anunciada, na quarta-feira passada (9), durante uma audiência na Câmara dos Deputados, com o ministro da Justiça para explicar as ações do governo federal. Segundo Cardozo, ainda nesta semana, cinco mesas de negociação devem acontecer para tentar chegar a um acordo sobre a demarcação de terras no estado.
Para a líder indígena Sônia Guajajara, uma das principais dificuldades na luta indígena hoje é o fato de nenhuma instância se focar definitivamente na resolução do problema. "A situação hoje é que um fica jogando para o outro. O Executivo para o Legislativo, o Legislativo para o Judiciário, e a população joga para os indígenas. Fica este jogo de empurra e ninguém consegue resolver a situação. Já teve construção de grupo de trabalho, já teve criação de mesa de diálogo. A situação de resolver a problemática não avança", protestou.
Para quem acompanha de perto a situação, apenas a demarcação de terras dará fim ao imbróglio. "Se o governo federal não sinalizar nenhuma proposta concreta do que diz respeito à demarcação, a tendência [de violência no estado] é piorar. A gente se depara cada vez mais com comunidades que vivem no limite das suas condições", reiterou Flávio Vicente, do Cimi.
Enquanto a morte do jovem Guarani-Kaiowá Semião Fernandes Vilhalva ainda não entrou para as estastísticas do Cimi, o setor agropecuário sul-mato-grossense lucra cada vez mais. O Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP), indicador da atividade calculado com base nos volumes de produção e preços médios da agricultura e pecuária do estado, deve ter um crescimento de 4,49% em 2015 em comparação ao ano passado. Projeta-se que o VBP passe de R$ 24,864 bilhões para R$ 26,006 bilhões, segundo dados Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (AGE/Mapa).
Fonte: Brasil de Fato
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