Ao elaborar este pequeno texto, como sugere o seu título, o fiz apontando duas vertentes propondo uma reflexão mais acurada da relação social entre os atores sociais: 1ª. a necessidade de se avaliar e reavaliar a conjuntura histórica local e seus desdobramentos; 2ª. as condições a que são submetida a maioria dos membros da sociedade civil e sua incapacidade teórica de compreender as circunstancias nas quais se relacionam. Portanto, a nossa mediana potencialidade intelectual visa provocar uma fissura nos processos sociais culturalmente edificados pelos representantes da classe dominante local e, paralelamente, a esse processo de naturalização social, indicar elementos constitutivos para aclarar e fomentar uma discussão sobre a realidade social, política, econômica e cultural numa perspectiva democrática e libertária.
Professor Jacinto, Membro-fundador do PT
As premissas mencionadas acima se expressa como pré-condição para uma análise mais vigorosa tanto do ponto de vista social quanto politicamente; torna-se, portanto, uma necessidade. O elemento avaliativo histórico-conjuntural¹ permite que seja possível a idealização de uma sociedade menos injusta e mais problematizadora. Problematizar a tradição, os aspectos sociais, o caráter educacional, a estrutura da saúde, a tipologia cultural local, e etc., indica o nível teórico, organizativo e cultural da sociedade civil na perspectiva de desmembrar os alicerces conservadores que impedem o crescimento e o desenvolvimento social de forma equilibrada e harmônica entre os sujeitos sociais. Nesse processo o que vai gerar e determinar o nível e o grau de desenvolvimento da sociedade será a organização por intermédio de instrumentos populares. Não é possível transpor barreiras e obstáculos se não existir um contraponto que sugira uma alternativa consoante à realidade criticada. O fator primordial a ser posto como elo na constituição crítica da realidade social local é dotar os membros da sociedade civil com mecanismos que sejam suficientes para dar conta das tarefas propostas. Nesse processo, por conseguinte, se introduz temáticas variadas e com a possibilidade de materialização em toda sua dimensão social. A sociedade civil não pode mais ficar à mercê meramente da vontade exclusiva do líder político que está à frente do poder público para executar e realizar as políticas sociais. É clara a compreensão de que o Poder Público tem a responsabilidade de implementar as políticas, contudo, é imperativo que a sociedade civil se manifeste de forma contundente e dinâmica. Todo processo social requer uma articulação planejada e com uma proposição demandando as principais reivindicações de caráter político e social. Apesar de haver tido uma grande conquista sob o ponto de vista constitucional em relação às urgentes necessidades do povo, compete agora, mais do que nunca, que o próprio povo se arme para enfrentar a inércia por parte dos órgãos apropriados na execução daquilo que está garantido na Carta Magna e faça a coisa acontecer.
É nesse peculiar horizonte teórico que proponho o necessário e instigante processo de avaliação histórico-conjuntural para servir de parâmetro a uma nova concepção política local. Dito de outro modo, através da organização de células sociais por bairros é possível sim, desenvolver atividades pontuando determinados campos e áreas de seu interesse. O objeto aqui posto tem uma finalidade: propor à sociedade civil codoense uma profunda discussão sobre o papel histórico do individuo enquanto ser social interventor na construção de uma cidadania desenvolvida, democrática e progressista. A reflexão sem dúvida semeia a teoria e a teoria propicia ao homem a condição elementar de interpretar o mundo de forma dialética, e dialeticamente propõe sua inevitável transformação revolucionária. Pensando nesse espectro, reafirmo, incondicionalmente, que, o revolucionário apaixonado pela causa popular entrega-se de corpo e alma em defesa de suas crenças e opiniões, por isso mesmo, ele jamais perde a sua ternura e, tampouco, abdica de sua ética como princípios inegociáveis.
A virada do século 21 trouxe consigo uma nota sublimada²: o desmantelamento da ética humana. Parece que tudo gira em torno da decadência, da indecência e da destruição. A razão perdeu seu norte e o irracional torna-se o ponderável. Esta naturalização social, certamente, propiciará um alto custo ao individuo e à sociedade civil como um todo.
Quando questiono o papel histórico-social do individuo e a possibilidade de sua intervenção na História, na Política e em outros setores sociais, é com uma nítida preocupação: a de encontrar na sociedade contemporânea homens capazes de declarar publicamente suas convicções, sem, contudo, se subordinar a quem quer que seja ou, se coloque numa condição de inferioridade, simplesmente pelo fato deste ou daquele sujeito ser abastado. Entendo que a relação social entre sujeitos deve ser precedida, indubitavelmente, pelo respeito; este componente é primordial para se estabelecer uma relação social harmônica e saudável. A partir dele, estaremos construindo os pressupostos imprescindíveis na perspectiva convergente. O individuo não pode ser neutro no percurso histórico em que está presente, muito menos, se transformar em ‘massa de manobra’ de outrem; o que o torna inválido e menosprezado (os dois termos aplicados aqui, em relação ao individuo, infere um conceito de desagregação e de dissolução da dignidade desse sujeito, de opressão mesmo). Por isso, a condição intelectual se constitui numa importante operação dinamizadora da capacidade teórica enquanto ser que se relaciona e objetiva sua subjetividade. O principio da relação igualitária socialmente independe da condição socioeconômica dos sujeitos, o que pressupõe a liberdade do individuo é a sua força moral, intelectual e ética; o fator econômico não é determinante numa relação social entre os atores sociais, mas, sim, a capacidade de argumentar, emitir e contrapor opiniões com autonomia, independência, responsabilidade e consciência social.
A realidade social construída na pós-modernidade enfrenta problemas de ordem ético-moral onde tais valores estão sendo compilados e submetidos a um processo degenerativo e, claramente, irreversível. A conduta e a condição humana na atualidade (contemporaneidade) expressa o viés da lógica balizada na cultura antiética. A virtude, portanto, deixa de ser um componente essencial na relação social e passa a ter uma função invertida, pois, o sujeito no contexto histórico contemporâneo está encantado e deslumbrado com a idéia de se tornar um homem ‘bem-sucedido’ no seio do sistema capitalista e, mormente, sendo alimentado por outros sujeitos que, ao longo de uma imensa jornada de trabalho conseguiu acumular uma considerável riqueza e, com isso, tenta convencer outros de que é possível realizar sonhos grandiosos! A acumulação capitalista é propensa a produzir indefinidamente um bolsão de miseráveis; mesmo aqueles que trabalham, reproduzem gratuitamente, um excedente de capital para o capitalista e sua condição social permanece a mesma ou, então, agrava-se. Ou seja, o trabalhador permanece cada vez mais pobre e o maldito capitalista continuará cada vez mais rico.
Pensar teoricamente uma nova sociedade e um novo homem será preciso recuperar o sentimento de coletividade entre os sujeitos explorados pelos capitalistas. A principal linha de raciocínio permeia o mundo político e quem está no comando. E partindo desse pressuposto, torna-se inadiável que se insurjam novos teóricos capazes de provocar questionamentos importantes como: a participação popular na elaboração de políticas públicas; democracia participativa, propor mudanças na estrutura política – reforma do judiciário, fiscal, política e etc. Talvez sob o ponto de vista ideo-político essa tese esteja bastante ‘desacreditada’, contudo, é fundamental reavaliar sua verdadeira função e importância com a efetiva participação da sociedade civil. A verdadeira concepção de política democrática é aquela em que a presença popular constitui o elo intrínseco direcionando o modelo político de forma concreta – e os membros da sociedade civil organizada, os representantes de entidades de classe, os articuladores sociais e os intelectuais progressistas devem ter como indutor de suas ações um programa alternativo denso e condensado numa perspectiva democrática e libertária. É nesta perspectiva que será possível a conquista do poder político pelo povo.
Mas, deixando um pouco de lado, a questão política e seus tenebrosos desdobramentos, voltemo-nos à questão central proposta inicialmente: o desmantelamento da ética humana.
A concepção pós-moderna de sociedade aponta para o homem um caminho completamente divorciado daquele que se manifesta na igualdade, na liberdade, fraternidade, na transparência, na ética social; enfim, ela pressupõe uma nova cosmovisão ampliada dessa sociedade e seus desdobramentos internos. Vejamos um exemplo clássico disso: o homem é dotado de inteligência, porém, não é detentor de capital, e, então, submete-se a um processo de megaexploração pelo capitalista para garantir sua subsistência a ponto de ser considerado meramente uma mercadoria. Mercadoria na concepção do capitalista é apenas um objeto que se transforma em capital com vida útil datada. Outra característica pós-moderna é a inserção de um discurso que endurece as relações entre os entes sociais: a competitividade exacerbada. Tal comportamento induz o sujeito a perder sua sensibilidade, tornando-o ‘duro’ e ‘cético’ em relação ao outro. A reprodução social pós-moderna desestrutura completamente os laços de solidariedade entre os entes sociais. Elege, por sua vez, a obstinação pertinaz como elemento intrínseco para o prazer do individuo como vencedor nesse processo violento de competição desmedida.
Finalmente, ressalto a importância do homem para captar a diversidade do campo social, sua dinamização, sua complexidade e compreender seu papel enquanto sujeito histórico, sem ser objeto de outrem. É fundamental redesenhar a arquitetura social e suas teias e colocar-se diante dela com autonomia, descrevendo-a minuciosamente. Se não ocorrer esse mecanismo dificilmente haverá uma projeção em relação ao desenvolvimento de sua cidadania. Na verdade, essa é uma condição necessária e urgente!
O desmantelamento da ética humana é resultado concreto da alienação pervertida e promovida pelo sistema capitalista de tal modo que o sujeito não percebe o desenlace desse gigantesco edifício social e suas tramas urdidas no interior da sociedade. Ao tomar consciência de si e do mundo o homem se reconhece como ser ontológico. E, para ele, tal descoberta constitui-se numa vertente claramente libertadora, pois, o grau de apropriação dos saberes o colocará num patamar de igualdade e soberania em relação à casta burguesa privilegiada cultural e economicamente. Nesse processo, por conseguinte, estabelece-se uma distinção entre o passado, o presente e o futuro que o próprio ente social poderá trilhar e, ao mesmo tempo, ocupando-se de velar e/ou conservar o valor fundamental de sua dignidade e cidadania: a ética humana.
Quando o homem histórico irrompe com esse ciclo mordaz e deformador, logo em seguida, é posto a toda prova; pois, virá de encontro a ele um discurso moldado à cultura e à prática da maldita corrupção associada à conciliação e em defesa da unidade do atual estágio de coisas existentes. Em todos os espectros característicos dessa deformação ética presente em nossa vivência, o homem sapien (histórico) deverá submeter sua nova consciência a um processo de reflexão dialética, visando reelaborar o conceito ético-social; principalmente no sentido de estabelecer critérios fundantes quando de sua escolha e opção política (ou seja, ser capaz de distinguir um político aventureiro de um político íntegro e coerente com sua história de luta).
Ao tomar conta dessa realidade histórico-social, o homem livre passa a enxergar sua condição humana numa perspectiva real e cheia de possibilidade de ascensão social; melhor ainda, compreende a si e ao mundo. O ato de compreender a si e ao mundo aponta para um caminho de ruptura com o casuísmo, com o naturalismo redundante e com o próprio passado opressor. O homem histórico proclama uma nova forma de relação e comportamento social embasado na liberdade, no respeito e no amor. A interface dessa relação se complementa na unidade do desenvolvimento das estruturas sociais nos mais variados segmentos e, assim, integra-se o fator fundamental para a realização de um processo alicerçado na mudança democrática.
A construção utópica de uma nova sociedade e de um novo homem pressupõe a democracia e, de igual modo, a democracia deve sofrer um processo de agudização e radicalização: democratizar o poder político em que pese a intervenção direta da sociedade civil fazendo prevalecer sua teses renovadoras. Enquanto não correr tal processo dialético a atual estrutura de poder político conservador permanecerá intocável. A ruptura requer, por sua vez, a unidade popular. A única força capaz de dissolver toda e qualquer estrutura de poder é a unidade popular. A unidade popular tem que assumir a condição de movimento progressista com capacidade de induzir fortes alterações na estrutura de poder.
Não é mais possível a sociedade civil conviver com o atraso, o abandono, a falta de perspectiva de crescimento, de desenvolvimento e de qualidade de vida; por isso, tem que se articular sistematicamente experimentando novas experiências de natureza política e social, até recompor o verdadeiro sentido de coletividade e luta engajada. É com esse espírito que se formará uma nova geração comprometida com a redenção e o conseqüente progresso de uma sociedade. Alicerçar uma ideologia nessa nova geração é tarefa de todo teórico crítico e aberto, maduro e provocador; além disso, o mais importante é convencer a sociedade sobre a necessidade de se buscar uma alternativa de mudança propositiva aglutinando forças sociais em torno desse projeto macro. Só assim, será possível estabelecer a ruptura necessária e urgente para tão sonhada mudança efetiva da estrutura de poder.
Enfim, acreditar no impossível é condição essencial para preparar o processo de mudança da estrutura social conservadora onde impera a força opressora e daninha. O povo precisa compreender a importância de sua força e de sua intervenção na perspectiva da transformação do poder político para outro completamente diferente e sustentado na transparência e na democracia. Nesse processo, consigo enxergar de maneira lúcida a construção de alternativas com assento na capacidade do homem renovar-se permanentemente sem perder sua ternura e sua ética.