BITA DE BARÃO: O REI DA MACUMBA BRASILEIRA

Codó até este sábado (24) um dos festejos afro-brasileiros de maior tradição do país. Uma festa aos santos e orixás, comandada pelo umbandista Bita do Barão de Guaré, quando pais e mães de santo deixam os terreiros e ganham as ruas da cidade.

Na ocasião, filhos e filhas de santo saem caracterizados com as cores de cada orixá e algo mais que o represente, como os brinquedos para Cosme e Damião, protetores das crianças, ou a espada e o cavalo do guerreiro São Jorge, ogum militar. “Na umbanda, São Jorge representa o santo guerreiro, vencedor de todas as batalhas. A qualquer hora, qualquer momento, pode chamar por São Jorge”, disse a umbandista Maria Alves, que carregava a imagem do santo.

São muitas as atrações que duram uma semana inteira na terra de Bita. Todas elas fazem muita gente parar por onde passam para registrar tudo que pode até o ano seguinte. “Vou levar muitas lembranças. Todas as imagens que estou fazendo são maravilhosas. Se Deus quiser estarei aqui ano que vem de novo”, disse a dona de casa Maria Aparecida.

Quando os santos e orixás são homenageados, os codoenses veêm a manutenção de uma tradição que já dura mais meio século. “O turismo, na verdade, conhece Codó através dessa festa, que é tradição da cidade. A gente vê a raiz de Codó”, afirmou Herbert Júnior, advogado.

Para Bita do Barão, é a força dos encantados que mantém a festa cada vez mais bonita e luxuosa, ao seu velho estilo. “Estamos de braços abertos para fazer outra vez, em outro ano, com mais brinquedo, com mais força, com mais gente, com mais tudo. Crescendo e crescendo mais”, concluiu.

Maranhao.Wordpress.com

Arquivo para junho 2006

Codó – terreiros para todo lado

Os terreiros de umbanda são predominantes no município de Codó. Além da tenda de Mestre Bita do Barão existem mais de 200 terreiros ligados ao culto terecô, segundo a pesquisadora de cultura popular Maria do Rosário Carvalho Santos.

A mãe-de-santo Maria de Jesus, do bairro Santo Antonio, é também uma das umbandistas mais famosas de Codó. Atualmente com 64 anos, Maria de Jesus diz que é contemporânea de Bita do Barão. “Lembro dele bem pequeno”, revela a mãe-de-santo, o que contraria a idade de 87 anos anunciada por Bita do Barão. Essa idade também é contestada por Domingos Paiva (veja quadro abaixo). “Conheço a certidão de nascimento dele”, informa.

Mãe Maria de Jesus prefere não entrar na discussão e conta que se relaciona bem tanto com Domingos Paiva quanto com Bita do Barão. Conhecida e procurada pelos políticos, mãe Maria diz que nunca perdeu uma eleição recorrendo sempre à linha branca da umbanda. “Não gosto de fazer maldade”, confessa ao relembrar que foi “obrigada” a assumir a mediunidade por causa dos constantes desmaios e visões que perturbaram a sua infância.

Morando numa casa simples com uma tenda pequena, o canzuá de mãe Maria de Jesus contrasta com a tenda de Bita do Barão. Localizada no centro de Codó, o Mestre Bita tem dois templos e uma grande residência com salas amplas e decoradas. Altares com imagens dos orixás estão espalhados pelo canzuá de Mestre Bita. Centenas de cachos de bananas ornamentam as imagens dos caboclos que estão próximos a tenda principal. Mestre Bita explica: “Banana significa força”.

O outro lado | opositor de Bita também fala

Mas nem todos elogiam Bita do Barão. O mestre e cidadão Wilson nonato de Sousa também tem seus adversários. O Pai-de-santo Domingos Paiva, 50 anos, que viveu durante 24 anos com Mestre Bita acusa o babalorixá de explorar a quimbanda, a linha negra da umbanda. “É a que dá mais dinheiro”, afirma Paiva.

Domingos Paiva que desenvolve a mediunidade há 33 anos, iniciado por Bita do Barão, também o acusa de explorá-lo sexualmente. Ele conta que procurou Bita do Barão quando tinha 15 anos para que o pai-de-santo o ajudasse a enfrentar problemas decorrentes de sua mediunidade, até então desconhecida pelo jovem Domingos Paiva.

Segundo Paiva, no canzuá de Mestre Bita ele se tornou o assistente direto do babalorixá e também o seu parceiro sexual. “Fui o primeiro homem de Codó a viver maritalmente com outro homem”, conta.

Assumir o relacionamento custou caro para Paiva. Ele revela que sentiu na pele a discriminação e o preconceito da sua própria família e da sociedade codoense. Em 1987 decidiu abandonar Mestre Bita.

Atualmente casado, pai de dois filhos, o técnico de contabilidade Domingos Paiva cumpre as suas obrigações de pai-de-santo na Tenda Espírita de Umbanda Raio Solar, no bairro do São Francisco, poucos quilômetros da tenda de Bita do Barão.

A filha de Mestre Bita, Janaína, 21, que está sendo preparada para substituí-lo, também é outro motivo de discórdia entre os dois pais-de-santos. Paiva diz que ela é sua filha e que Bita do Barão ficou com Janaína quando ela era ainda criança.

O pai-de-santo mais famoso do Maranhão tem outra versão. Segundo Bita do Barão, Domingos Paiva foi criado como um filho em seu canzuá. Em poucas palavras ele revela o que pensa de Domingos Paiva: “É um pobre coitado”.

[Transcrição de matéria de "O Imparcial", de 29/08/99

Entrevista

Qual o significado de sua festa?

Bita do Barão – O significado é que todos os umbandistas temos obrigação da casa. É uma obrigação aos santos orixás. Então tem gente que faz obrigação no dia do santo mesmo. Hoje [sábado] estamos homenageando os santos da casa. Santo Antonio, São Benedito, São Lázaro, Cosme e Damião, São Sebastião e tem um cruzamento da esquerda [Exu e Pomba Gira]. Todo pai de santo tem por obrigação fazer esse tipo de trabalho no seu canzuá de santo. A obrigação é feita em agosto e dezembro. Se você não vê um pai de santo que não faz a sua obrigação é meio fraco.

A que o senhor atribui a sua fama?

BB - Eu acho graças [risos]. Sinceramente, eu não sei. Eu sempre fui uma pessoa um pouco inteligente, graças a Deus. Mas isso são os trabalhos da gente. O meu trabalho sempre teve muito êxito, muita positividade. Se não trabalho certo, de forma honesta, com muita sinceridade, jamais eu teria um movimento desse.

É verdade que o senhor é muito procurado pelos políticos?

BB – É verdade. Aqui está cheio de políticos. A metade dos que estão de branco [apontando para os que estavam na Tenda no último sábado] são prefeitos, vereadores, deputados…

Qual o político mais importante do Maranhão que o senhor já atendeu?

BB - O político mais famosos que eu rezo muito é para o Sarney. Eu rezo muito para ele. Não é uma pessoa que vive aqui na minha casa, não. Mas eu rezo muito para ele. E isso, às vezes, sem ele pedir. Eu acho que tenho que fazer isso.

O senhor trabalha com as duas linhas da umbanda, a linha branca e a negra?

BB – Todo pai-de-santo trabalha. Eu sou procurado nas duas [correntes]. Eu gosto muito da linha branca, eu gosto muito dos santos. E quando passo para a corrente de esquerda é alguém que quer. Eu mesmo não tenho ódio de ninguém.

Não é uma contradição?

BB – Nada disso. São coisas naturais. Cada qual faz aquilo que gosta. Se você chega e diz que está amando um homem que não gosta de você, mas diz que é louca por ele, eu tenho que mexer um pouco nos “pauzinhos” pra fazer esse “cabôco” te enxergar. Senão não dá certo.

O que as pessoas mais pedem?

BB – Eu sou procurado de todo sentido. Muita gente me procura pra negócios. Eu sou também um homem de negócios. Então sou freqüentado por muitos empresários. Empresário é negócio de dinheiro. Também sou procurado pra amores e política.

O senhor consulta por telefone?

BB – Consulto também por telefone.

Quanto custa?

BB - A consulta por telefone é duzentos reais. É muito barato.

O senhor acha barato?

BB - Muito barato. Dá muito trabalho a gente ouvir uma pessoa do outro lado, de outro país, de outro Estado pra dizer uma coisa por telefone. Puxa um pouco pela cabeça. Então é muito barato. E pessoas que querem isso, que precisam disso, são pessoas que têm sempre um pouco de dinheiro.

O senhor tem uma loja que vende produtos de umbanda?

BB - É a lojinha da minha filha. É a loja da minha família. É uma loja nossa. Eu trabalho. Eu gosto de trabalhar na roça, eu tenho meus canteiros. Eu gosto de trabalhar de tudo. Eu sou um homem trabalhador.

O senhor está preparando a sua filha para substituí-lo?

BB - Estou preparando.

O senhor sabe quando vai morrer, ou passar para o outro plano?

BB - Não demoro muito, não. Agora que estou com 87 anos. Acho que vou chegar a uns 90 e poucos. Ainda estou muito lúcido, graças a Deus.

O senhor tem quantos filhos e filhas de santos?

BB - Mais de 500 filhos de santos.

Por que Codó tem a fama de “terra da umbanda”?

BB - Porque tem Bita do Barão.

Qual a avaliação que o senhor faz do governo de Roseana Sarney

BB - Ah! O governo dela tá maravilhoso. Ela vai continuar… um “problemazinho” de saúde bem fraco. Nós estamos rezando muito por ela. Eu, pelo menos, acendo minhas velinhas e rezo muito para ela, todo dia. Porque na realidade é uma senhora dinâmica. Todo maranhense tá vendo isso. Os que não vêem… é política. E eu não sou político.

É verdade que o senhor contribuiu para a morte de Tancredo Neves?

BB - É bobagem. Não tem nada haver. Não contribui nada. Eu só contribui pra gente viver. Ele [Tancredo] era meu amigo também, particular.

O senhor se considera uma pessoa rica?

BB - [Risos] A minha casa é muito pequena, simples, muito humilde, de pobre. Eu me considero uma pessoa rica de espírito. Se fosse uma pessoa rica de dinheiro, tanto faz. Agora de espírito, olhe lá. Você está perto de um milionário. Um alto milionário.

Codó (MA) | Os tambores começam a tocar às seis horas da tarde do sábado (21) na Tenda Espírita de Umbanda Rainha de Iemanjá. As filhas e filhos de santos guiados pelo mestre Bita do Barão de Guaré entoam cânticos, batem palmas num ritmo cada vez mais forte. Em poucos segundos a energia do mestre Bita do Barão e suas entidades ocupam o templo que se tornou pequeno para tantos corpos e mentes dominados pelos orixás.

Esse é o ritual da salva. O momento de dar as boas vindas a todos os santos e orixás que durante uma semana irão comandar a festa de umbanda mais famosa do Maranhão. A festa que ultrapassou as fronteiras do Estado e do país é uma homenagem aos santos e orixás do Mestre Bita do Barão de Guaré. Ou, como ele próprio afirma, é “uma obrigação”. A saudação para as entidades terminou sexta-feira (27), no município de Codó.

Mestre Bita, corpo franzino vestido de branco, entoa um cântico cada vez mais ritmado no momento da salva aos orixás. Dança com tanta expressividade para seus 87 anos (idade por ele informada) provocando espanto na platéia que não desgruda os olhos da dança que toma conta da tenda de umbanda ao som dos tambores, agogôs, cabaças e triângulos.

Mestre Bita rodopia. Mestre Bita pula freneticamente. Mestre Bita se contorce no ar, se contorce no chão. Mestre Bita é um vulcão em erupção. As filhas e filhos de santos também rodopiam. Olhos cerrados, bocas contorcidas, corpos sem domínio exploram cada canto da tenda, sem destino certo, enchendo todos os espaços.

Os homens vestidos de branco, com boinas ou turbantes brancos envolvendo as cabeças usam no pescoço colares de contas coloridas. As mulheres, que são maioria, fazem da roupa do dia-a-dia o traje para a salva dos orixás. As saias viram vestidos e nem as mais velhas ficam inibidas por exibirem o colo.

Os tambores se calam. As filhas e filhos de santo param de dançar e iniciam a ladainha enquanto Mestre Bita cumpre o ritual de acender as velas para os orixás, que naquele momento estão representados pelas imagens gigantes distribuídas no templo (ou “canzuá”, na linguagem dos orixás). A reza termina e Mestre Bita se recolhe a seus aposentos. A obrigação do umbandista só está começando na Tenda Espírita Rainha de Iemanjá.

Abertura da festa

À meia-noite Mestre Bita Barão de Guaré faz a abertura da festa. Agora no “canzuá” (templo) maior. Ele vem de branco, em trajes mais finos para homenagear Ogum (Santo Antônio), Pratoiszerequete (São Benedito), Acócio ou Omolum (São Lázaro), Ibegis (Comes e Damião) e Oxossi (São Sebastião), além de Exu e Pomba Gira.

As filhas e filhos de santo seguem o mestre em fila indiana. As mulheres se destacam pelos vestidos brancos, rendados e volumosos, que contrastam com os cordões de contas coloridas. Foram especialmente feitos para a abertura da obrigação.

A fama e o prestígio de Mestre Bita do Barão, o pai-de-santo que admite trabalhar com a umbanda (linha branca) e a quimbanda (linha negra), também recebe homenagens na sua obrigação. O pai Astro de Ogum, presidente da Federação de Umbanda do Estado do Maranhão, e uma comitiva de umbandistas anuncia que Mestre Bita do Barão foi eleito o Tata da Umbanda do Maranhão por 754 casas de cultos afros de São Luís. É mais um título importante para o Mestre Bita, que já recebeu o título de Comendador da República.

Na opinião de Astro de Ogum, Bita do Barão é a expressão máxima da umbanda no Estado. “Ele é a pilastra que dá sustentação aos cultos afros no Maranhão”, avalia.