
Documentação:
A ex-funcionária afirma que guardou em casa, durante 25 anos, documentos que ela diz serem provas da corrupção que testemunhou e de que até fez parte quando trabalhou no departamento financeiro da Odebrecht. Ela diz que foi demitida por contenção de despesas.
"Quando eu fui demitida da empresa, vieram dentro dos meus pertences pessoais. Quando eu cheguei em casa, eu percebi que tinha esses papéis da empresa. Eu não tive mais como devolvê-los. (...) Todos esses anos ficou [tudo] guardado", diz.
Após a demissão, Conceição afirma que entrou na Justiça contra a empresa, cobrando direitos trabalhistas, mas perdeu. Questionada sobre o motivo de ter levado tanto tempo para divulgar os documentos, ela diz que, se fizesse isso na época, "seria uma briga de uma pequena com um sistema todo".
"Eu fiquei com medo de retaliações, de agressões. Inclusive consultei algumas pessoas, e as pessoas me aconselharam a não mostrar", afirma. "Resolvi tornar público [agora] pela situação que o país está passando, e eu vi que era uma oportunidade para contribuir para poder passar esse país a limpo."
Mais de 500 nomes
A lista tem mais de 500 nomes, entre ex-ministros, ex-governadores, ex-prefeitos, senadores e deputados. Alguns dos citados já morreram. Os que continuam na vida pública estão em vários partidos, tanto da base do governo quanto da oposição, e há pelo menos um jornalista. O Fantástico não divulgou os nomes das pessoas que aparecem na lista, pois a polícia ainda não sabe se elas cometeram alguma irregularidade ou não.
Apesar de a Polícia Federal ainda não poder afirmar que todas as anotações na lista se referem a propinas, Conceição se diz convencida. "Tudo isso era propina. Tudo que tem dentro, toda essa relação que existe nessa lista foi pagamento de propina, de caixa dois", diz.
Além da lista, a ex-funcionária guardou um dossiê com mais de 200 itens, entre bilhetinhos, contas, recibos e anotações feitas à mão.
Em um dos papéis, há um cálculo para pagar a uma pessoa identificada como "Azeitona" a comissão de 2% sobre a obra de irrigação do Formoso. Essa obra, segundo o site da Odebrecht, foi executada em Bom Jesus da Lapa (BA) nas décadas de 80 e 90. O rascunho do cálculo informa que o valor deve ser pago em "dólar black", que era o mercado negro de câmbio na época. Feita a conversão de 2% de mais de 700 milhões de cruzados, a moeda da época, dá US$ 28 mil.
Segundo Conceição, o pagamento em dólar não era incomum. "Havia pagamento em dólar (...) porque isso era exigência do político que ia receber a propina", diz. Outro rascunho da ex-funcionária revela a partilha da propina pela obra da adutora João Pessoa e os valores pagos a "Graviola", "Aviador", "Tênis", "Pardal" e "Pouca Telha".
Conceição diz que chegou a entregar dinheiro para políticos pessoalmente algumas vezes. "Tinham alguns políticos aqui de Salvador que algumas vezes iam receber o dinheiro dentro da própria empresa em 'cash'. E outras vezes a empresa repassava o dinheiro para os gerentes de obra, e eles distribuíam para os políticos daquela região. (...) [Era] bastante dinheiro. (...) Era 100 vezes mais do que eu ganhava", afirma.
Conceição afirma que acredita que, quando entrou na empresa, o esquema já existia, mas não tem certeza. Ela afirma que tudo era feito abertamente. "Todo mundo sabia na empresa. As pessoas do departamento financeiro sabiam e algumas pessoas fora sabiam que a empresa trabalhava com caixa dois", diz. Ela afirma que está disposta a falar com a polícia e com a Justiça se for chamada.
Análise da Polícia Federal
Em setembro de 2015, a ex-funcionária entregou a lista e os documentos para o deputado federal Jorge Solla (PT), que apresentou a documentação na CPI da Petrobras. Solla entregou os papéis também para o Ministério da Justiça, que os repassou para a Polícia Federal. A documentação está com a Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros, no Paraná, já que seria de interesse da Operação Lava Jato.
Neste domingo, a Polícia Federal informou que os documentos estão sendo analisados e que, se comprovada a autenticidade, eles serão incorporados ao banco de dados da Lava Jato, pois as informações podem ajudar a esclarecer pontos da investigação. Segundo a PF, mesmo que os papéis sejam considerados legítimos, não há como processar os envolvidos, pois os crimes já estariam prescritos.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Odebrecht informou que a empresa não vai se manifestar sobre a lista da ex-funcionária.