Mal havia se concluído a contagem dos votos da eleição de 2014, que garantiram o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, e já se falava abertamente no tal de “impeachment”. O motivo alegado à época pela oposição derrotada girava em torno de uma suposta utilização de estrutura pública (os Correios) para benefício da candidatura governamental.
Certamente, a derrota de última hora frustrou boa parte dos oposicionistas, que minutos antes da divulgação dos resultados oficiais comemoravam a vitória de Aécio com base em informações ilegalmente vazadas por um alto integrante da cúpula judiciária nacional. Tamanha frustração se traduziu em recusa na aceitação do resultado legítimo das urnas, e boa parte dos apoiadores de Aécio, desde então, tem optado por dois caminhos: a negação, por meio do pedido de impedimento, e a negação da negação, desistindo do Brasil e indo para Miami, como revelou reportagem recente da Folha de São Paulo.
Tendo início o segundo governo Dilma, mudanças importantes na estratégia política da presidenta foram anunciadas, apontando para a adoção de uma postura conciliatória com vários grupos que a haviam difamado nos meses e anos anteriores. Para aqueles que votaram nela esperando uma escalada no enfrentamento contra o establishment conservador e liberal, foi grande a surpresa com a escalação de nomes como Joaquim Levy, Kátia Abreu e Armando Monteiro para importantes ministérios.
A decepção de parcela importante do eleitorado de Dilma, que ainda não compreendeu a razão por trás destas escolhas (em grande medida pela dificuldade do governo em dialogar com a população), somada à sanha golpista de parcelas relevantes da oposição e da mídia, deram força ao até então risível coro pró-impedimento.
Para adicionar calúnia à injúria, o avanço das investigações da Lava Jato mostra o envolvimento de todos os partidos políticos em esquemas de corrupção, mas o foco é direcionado particularmente ao PT, seja pelo seu atual papel no governo federal, seja em decorrência de uma estratégia mais ampla de desconstrução da imagem do partido por parte de alguns veículos de imprensa.
É fato que alguns dos depoimentos oriundos de delações premiadas (ainda sujeitos a comprovação) envolvem o PT em casos de corrupção, assim como é fato que essas mesmas delações relatam casos de propina de origem muito anterior, vindos desde o governo FHC e que envolvem quase a totalidade dos partidos políticos (inclusive o PSDB de Aécio Neves).
Nunca é demais se lembrar do falecido jornalista Paulo Francis, que durante o governo FHC denunciou uma série de irregularidades na Petrobras e teve como resposta um processo criminal, que o levou à depressão e à morte. Desta vez, no entanto, as denúncias geraram uma investigação séria e profunda, que atingiu as maiores empreiteiras do País e desvelou as relações espúrias entre iniciativa privada e setor público, com o objetivo de financiar as campanhas políticas.
Esta nova atitude perante a denúncia apenas comprova o amadurecimento institucional do País nos anos recentes, que através do fortalecimento e independência das instituições poderá investigar e punir aqueles envolvidos nos malfeitos. Caso a maturidade avance, podemos até sonhar com uma reforma política que proíba a continuidade destas relações espúrias entre empresas privadas e financiamento de campanhas políticas.
A avalanche de notícias negativas, no entanto, reforçou ainda mais os arautos do impedimento presidencial. O advogado do ex-presidente FHC chegou a encomendar para o jurista ultradireitista Ives Gandra Martins um parecer que embasasse juridicamente a tese do impedimento. Apesar de completamente desconstruído pelo também jurista Dalmo Dallari, o parecer é apenas mais um movimento no tabuleiro político para fortalecer aqueles que sonham com um novo golpe de Estado, custe o que custar.
O plano golpista se aprofunda e, além de abaixo-assinados circulando pela internet, a oposição já tenta criar um grande movimento de rua similar a junho de 2013, mas desta vez pedindo o impedimento da recém-eleita presidenta Dilma. A queda na taxa de aprovação do governo foi o combustível que faltava para o delírio golpista dos novos marchadores de 64, que acalentam ainda em seus corações e mentes a sanha reacionária e antidemocrática de seus ancestrais.
Há, no entanto, uma falha no plano dos novos golpistas: eles ainda não compreenderam a natureza da identidade petista e base social que este partido representa. Nos idos de 2005, durante o auge do chamado “mensalão petista”, um dos maiores representantes da oposição à época afirmou que o Brasil iria se livrar desta “raça” (petista) de uma vez por todas. O ex-senador Jorge Bornhausen pertencia ao ex-PFL, partido que mudou de nome para DEM e corre o risco de desaparecer e ser englobado por outros partidos.
Enquanto isso, o PT sobreviveu, conquistou mais três eleições presidenciais e permanece como um dos maiores partidos do País. O erro de avaliação de então se repete agora, quando a oposição acredita que o PT está derrotado, que não possui quem o defenda e que a presidenta Dilma está isolada. Desconhece, novamente, a ampla base social do partido, que vai muito além de seus militantes e simpatizantes, englobando boa parte das camadas menos privilegiadas da população (trabalhadores e excluídos que viram suas vidas melhorarem nos governos petistas), além de importantes setores da inteligência nacional.
O que os delirantes golpistas não compreendem é que, parafraseando Euclides da Cunha, o petista é antes de tudo um forte. Ele sobrevive às maiores adversidades, seja em relação à sua condição social desprivilegiada (afinal, a maior parte dos petistas é composta de trabalhadores, assalariados e excluídos), seja em sua árdua tarefa de debater e conviver em uma sociedade conservadora, cuja elite e boa parte da mídia os odeiam.
O ódio contra o PT não advém apenas de seus erros, mas sim do projeto que representa: a transformação do feudo brasileiro em uma verdadeira democracia política, social e econômica. Este projeto transformador, mesmo quando travestido com uma carapaça tradicional e afeito a concessões, não é o projeto de boa parte da elite brasileira e por isso a enfurece.
O grande objetivo das elites nacionais é manter seus privilégios e se alinhar servilmente aos interesses estrangeiros, por acreditarem que tais interesses representam a “modernidade” que falta ao País.
O verdadeiro petista sobrevive aos piores ataques que um homem pode sofrer: a humilhação, a calúnia e a difamação diárias, fruto do ódio contra o ideal que representa. Sobrevive, não sem cicatrizes profundas, aos graves erros cometidos por alguns dirigentes de seu partido, sabedor que é de que, para além das pessoas, há um projeto e um ideal a ser defendido.
Sobrevive, por fim, aos descaminhos da política, que por diversas vezes forçou o governo para uma rota diferente da desejada pelo ideal petista, mas que, por meio de muita batalha e pressão social, foi capaz de reconstruir o significado de um governo de esquerda, progressista e socialmente responsável.
Mas o verdadeiro petista também percebe que o PT é muito maior que alguns homens, que alguns erros ou descaminhos. Reconhece no PT o símbolo de um projeto de país que sonha com um Brasil livre, independente e democrático, com justiça social e econômica.
Reconhece, acima de tudo, que a construção desse ideal e desse símbolo está constantemente ameaçada não apenas por seus próprios erros, mas por aqueles que querem fazer uso desses erros para destruí-lo. E por reconhecer todas essas questões, no momento em que for chamado, o petista não vai abandonar seu governo para vê-lo derrubado por seu pior inimigo. Que venham os novos marchantes de 1964, pois encontrarão na base do povo brasileiro aqueles que se baterão contra seus delírios golpistas.
Por Guilherme Mello