Parecia que seria fácil. No dia 30 de abril, com toda a pompa e circunstância, o Conselho de Ministros da Espanha anunciou a aprovação do Decreto da Lei Real. Estaria mudada a forma de comercialização dos direitos de transmissão do seu campeonato nacional, Copa do Rei e Supercopa. Os clubes seriam proibidos de negociar individualmente. O acerto deveria ser coletivo, seguindo o que é feito na Inglaterra, na Alemanha e na Itália.
A mudança afetaria principalmente Real Madrid e Barcelona que há décadas negociam individualmente as cotas. E abocanham muito mais do que seus rivais.
Não custa lembrar o quanto eram disparadas as diferenças de cotas. Os dois gigantes do futebol mundial recebem 140 milhões de euros cada um. Cerca de R$ 480 milhões. Ou seja, 37% do total que a tevê paga. É um dos grandes motivos para montarem times poderosos a cada temporada.
O Valência recebe 48 milhões de euros, cerca de R$ 164 milhões; Atlético de Madrid, 42 milhões de euros, R$ 144 milhões; Sevilla, Atletico de Bilbao e Villareal, 32 milhões de euros, R$ 109 milhões; Bétis, 30 milhões de euros, R$ 102 milhões; Español, 28 milhões de euros, R$ 96 milhões; Real Sociedad, Malaga e Getafe, 25 milhões de euros, R$ 85 milhões; Osasuña, Celta e Levante, 22 milhões de euros, R$ 75 milhões; Granada, Elche, Valladolid, Rayo Vallecano e Almeria, 18 milhões de euros, R$ 61 milhões.
Resultado: desde 1984, Real Madrid e Barcelona ganharam juntos 24 vezes o Campeonato Espanhol. 13 vezes os catalães e 11 o poderoso time da capital. Os outros clubes só venceram seis vezes: Atlético de Madri duas vezes, Valencia outras duas e Atlethic Bilbao e Deportivo La Coruña uma.
Houve precipitação e muitos veículos de comunicação divulgaram que a própria Espanha seria contra a "Espanholização", ou seja o privilégio para os dois clubes mais populares e poderosos do país ibérico. Nada disso. Seus dirigentes pressionaram a Federação Espanhola. Alegaram a intervenção governamental na administração do futebol. E isso é algo proibido pela Fifa.
Resultado, a Federação Espanhola anunciou greve geral. Paralisação das duas últimas rodadas do Campeonato Espanhol e na decisão da Copa do Rei. Seria o caos. O Sindicato dos Jogadores se juntou à Federação. Isso apesar de concordar com a intervenção governamental para equilibrar a distribuição de dinheiro da tevê. Os sindicalistas não aceitam 90% do dinheiro da tevê ficar com a Primeira Divisão. Querem mais do que 10% às divisões inferiores.
A Fifa apoia a Federação Espanhola. E não aceita a intervenção governamental mudando as regras. Nada de negociações coletivas.
O radicalismo dos lados forçou um julgamento amanhã no Tribunal Nacional da Espanha. Caberá ao tribunal confirmar se a greve é legal ou não. Há a certeza que o lado que perder irá recorrer.
Clubes brasileiros acompanham com todo o interesse o que acontece na Espanha. Principalmente o Vasco de Eurico Miranda. O dirigente está revoltado com a distribuição das cotas de transmissão no País. Corinthians e Flamengo são os grandes beneficiados. São como Real Madrid e Barcelona dos trópicos.
"Esse processo de espanholização do futebol brasileiro tem de acabar. Eu não posso chegar e concordar que dois clubes tenham uma diferença astronômica dos outros. Sei a força do Vasco e tenho argumentos para discutir. O que não pode é querer empurrar goela abaixo para mim que o Vasco é a quinta, sexta torcida. Isso não vão empurrar nunca, não há hipótese."
A promessa é de Eurico Miranda. Ele já falou pessoalmente ao novo presidente da CBF, Marco Polo del Nero, que não aceitará a manutenção da atual distribuição de cotas. Não quer nem saber se todos os clubes já aceitaram a renovação automática até 2018. Inclusive o Vasco.
A bancada da bola se movimenta em Brasília. Há um projeto do ex-deputado federal Raul Henry do PMDB de Pernambuco tramitando em Brasília. O político propôs um revolucionário método de distribuição da cota televisiva no Brasil. Na verdade, uma cópia do que acontece na Inglaterra.
A maneira é simples e muito mais democrática. 50% da receita seriam divididos igualmente entre os times, 25% distribuídos de acordo com a classificação da equipe na última temporada do campeonato em questão e 25% repassados proporcionalmente à média do número de jogos transmitidos no ano anterior.
Só que a demora para tudo o que acontece em Brasília e uma vergonha. Henry já deixou a capital do País. Se tornou vice governador de Pernambuco. Mas Eurico quer a implementação da divisão inglesa. E que seja por uma ação política, governamental. Ele não suporta a situação atual. Corinthians e Flamengo ganham R$ 110 milhões. São Paulo, R$ 80 milhões. Vasco e Palmeiras, R$ 70 milhões. Santos, R$ 60 milhões. Atlético Mineiro, Cruzeiro, Grêmio, Internacional, Fluminense e Botafogo, R$ 45 milhões.
Fica histérico ao saber que a partir do ano que vem tudo ficará mais desigual ainda. Flamengo e Corinthians passarão a ganhar R$ 170 milhões por ano. O São Paulo, R$ 110 milhões. Vasco e Palmeiras, R$ 100 milhões. Santos, R$ 80 milhões. Atlético Mineiro, Cruzeiro, Grêmio, Internacional, Fluminense e Botafogo, R$ 60 milhões. Já está tudo assinado. Até 2018.
Só que a reação será pesada. A cúpula do Corinthians não aceita nem pensar em mudar o que já está assinado até 2018. Eduardo Bandeira de Mello, que está revolucionando a administração do Flamengo, nesta questão tem uma visão individualista da questão. Por ele, o Flamengo não abrirá mão do privilégio.
"No momento, vamos pensar que temos um longo caminho a percorrer. E se algum dia essa questão do desequilíbrio vier a se confirmar, podemos pensar em alguma coisa, é claro que dentro de um outro ambiente, em que os clubes tenham uma entidade que possa vir a nos representar, mas acredito que temos tanta coisa nesse momento, nós, do Rio, então, temos tanta coisa para nos preocupar."
"Essa é uma vantagem comparativa que nós temos. Agora, têm várias outras vantagens comparativas que não temos. Nós não temos estádio, não temos centro de treinamento à altura de nossas tradições e de nossa torcida. Enfim, não temos estádio, vários clubes têm estádio e ninguém está pedindo para dividir o seu estádio com ninguém." Ou seja, enquanto o Flamengo não tiver estádio, CT ou sanar totalmente sua dívida, não vê problema em receber muito mais do que os clubes rivais.
A realidade é que o Brasil será muito afetado pelo que acontecerá na Espanha. Se a greve for considerada ilegal e for aceita a intervenção governamental na distribuição na cotas da tevê, muita coisa deverá mudar por aqui. Isso apesar de os contratos já estarem assinado até 2018.
Eurico Miranda já avisou que 'vai até as últimas consequências' para impedir que Corinthians e Flamengo continuem privilegiados pela Globo. Apesar de todas as divergências, dirigentes de outros clubes como Grêmio, Internacional, Cruzeiro, Fluminense, Atlético Mineiro, Santos e Palmeiras já começam a se articular. Prontos para formar um bloco exigindo menos disparidade nas cotas.
A CBF de Marco Polo só vê um caminho para evitar o caos. Não a Globo diminuir o que já prometeu para Corinthians e Flamengo. Mas aumentar o que já acertou com os outros. Essa solução não agrada a emissora carioca. Para executivos vale o que já está assinado.
Ou seja, os clubes brasileiros acompanharão muito de perto o que a Espanha fizer amanhã. Os reflexos por aqui deverão ser imediatos...
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