Padre jesuíta, conselheiro de reis, diplomata em cortes europeias. Antonio Vieira nascido em Portugal, mudou-se para o Brasil, com a família aos 7 anos de idade, estudou no colégio jesuíta de Salvador; fluente na língua tupi, padrei Vieira foi um missionário laborioso na defesa das tribos indígenas do Maranhão e do Pará. Tornou-se um pregador respeitado, cuja retórica ganhou fama pela firmeza, ora catequizando, ora fazendo política.
Mesmo encarregado de missões diplomáticas importantes, ocupou-se de criticar os colonos donos de terras, combateu a escravidão dos índios, razão pela qual, foi expulso do Brasil junto com outros jesuítas. Voltou para Portugal, foi preso, depois anistiado, mudou-se para Roma, onde conquistou fama de grande orador. Regressa a Salvador, retoma a luta pelo indígenas até a morte, aos 90 anos de idade.
Semana Santa, Peixe Santo... o momento não poderia ser mais propício para releitura dos sermões de padre Vieira. Habilidoso com as palavras, convertia mensagens bíblicas em sermões de críticas sociais e políticas. Utilizou o púlpito inúmeras vezes para fazer alegorias, algumas nem um pouco sutis, em defesa dos explorados.
A alegoria dos peixes, o Sermão de Santo Antônio aos Peixes, foi proferido na cidade de São Luís do Maranhão, em 1654, pouco antes do jesuíta partir para Lisboa, depois de um litígio com os colonos, por causa da escravização dos índios. O título do Sermão foi retirado do milagre que se conta a respeito de Santo Antônio, que teria sido mal recebido numa pregação na cidade italiana de Arimino, foi perseguido, teria se dirigido à praia e pregado aos peixes, que o teriam escutado atentamente, ao contrário dos homens, que viraram-lhe às costas.
O Sermão de Santo Antônio aos Peixes proferido por padre Antônio Vieira é uma pregação de imaginação e habilidade retórica surpreendentes, e tal como Santo Antônio, ele vira o púlpito para o mar e diz que se os homens não lhe querem ouvir, ela prega aos peixes. Fala aos peixes para censurar os homens, os vícios da dominação dos colonos portugueses, enumera os defeitos dos peixes, compara-os aos homens. De frente para o mar, proclama: “Vós sois o sal da terra”. O significado do sal iguala-se ao poder regenerador da palavra de Deus proferida pelos pregadores. Padre Vieira instiga e completa que as propriedades do sal é conservar e evitar a corrupção. Mas a terra já está corrompida e não se deixa salgar pela evangelização.
Com ironia barroca, personifica os homens nos peixes e censura os peixes que se comem uns aos outros, os maiores aos menores e diz que entre os homens, tal absurdo também se passa; por ganância, os maiores exploram os desfavorecidos. Padre Vieira critica a hipocrisia, vaidade e cegueira na conduta do homem, citando alguns peixes: os roncadores, peixes que simbolizam a arrogância, a cobiça e a vaidade; os pegadores, que são dependentes, parasitas e oportunistas; os voadores, peixes que representam a ambição, o capricho de querer sempre mais e por último, o polvo, que é segundo o Padre Vieira, o símbolo dos vícios mais nocivos dos homens e, por isso, serve-se desse exemplo para, de forma implacável, censurar a hipocrisia, o fingimento e a corrupção dos colonos, responsáveis pela escravização dos índios brasileiros. Para o padre Vieira, a capacidade para se camuflar no camaleão é uma espécie de defesa, no polvo é malícia, traição, porque surpreende as vítimas de forma engenhosa. O polvo é assim, traiçoeiro como Judas.
Embora tenha exaltado virtudes e defeitos, para o jesuíta, as virtudes naturais dos peixes não disfarçam o defeito incorrigível deles: “são eles gente que nunca se há-de converter”, conclui. O mistério reside na ideia da alegoria e nos exemplos. Os homens não se convencem senão pelo entendimento.
Olga Borges Lustosa é cerimonialista pública e acadêmica de Ciências Sociais pela UFMT e escreve exclusivamente neste blog toda terça-feira - olga@terra.com.br
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