O juiz Flávio Roberto de Souza foi condenado à pena de aposentadoria compulsória pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES). A decisão foi proferida nesta quinta-feira (12/11) no julgamento de três dos cinco processos administrativos disciplinares instaurados pela corte contra o magistrado, que ficou conhecido depois de ter sido flagrado dirigindo um carro de luxo de Eike Batista. O veículo havia sido apreendido por ordem do próprio juiz, quando estava à frente das ações criminais que o empresário responde.
O primeiro processo tratava da apropriação de R$ 989 mil referentes a uma ação criminal contra um traficante espanhol, preso na operação monte perdido, e que estavam sob a custódia da 3ª Vara Federal Criminal, então comandada por Souza. Os outros dois procedimentos foram instaurados em razão do uso indevido de bens apreendidos de Eike Batista e por declarações dadas à imprensa que demonstraram a parcialidade dele no caso e puseram em dúvida a credibilidade da Justiça.
A aposentadoria compulsória é a pena máxima no âmbito administrativo e foi aplicada no julgamento das duas primeiras ações. Com relação ao último processo, a pena imposta foi a de disponibilidade. Souza continuará recebendo salário, mas de forma proporcional.
Irrigação no cérebro
A sessão do Órgão Especial começou com o advogado Renato Tonini, que defende o juiz, pedindo a conversão das ações em diligência para analisar um laudo técnico produzido pela defesa que mostra que o réu sofre de demência provocada por falta de irrigação no cérebro. Por isso, não poderia discernir entre o certo e o errado. O advogado afirmou também que o juiz era dependente de álcool, apresentava quadro depressivo e estava endividado na época dos fatos.
O Órgão Especial, contudo, não acolheu o pedido. O julgamento, então, teve início com o processo sobre o desvio dos recursos apreendidos na operação monte perdido. A relatora do caso, desembargadora Nizete Lobato, disse que primeiro o juiz se apropriou de R$ 166 mil que estavam nos cofres da Justiça Federal. Depois, ele pegou R$ 823 mil decorrentes do leilão de uma Hilux, uma Ferrari e uma Haley do traficante espanhol, também apreendidos no processo.
De acordo a desembargadora, Souza tentou eliminar provas do ilícito ao queimar documentos do processo criminal. Os restos dos papéis queimados foram colocados em uma mochila dada pelo juiz ao motorista para que a descartasse. “Os fatos, muito graves, são incontroversos”, afirmou.
O segundo processo foi relatado pelo desembargador Ivan Athiê e versou sobre a utilização dos bens de Eike. Em fevereiro, o juiz foi flagrado dirigindo o Porsche Cayenne que ele mesmo havia mandado apreender nos processos a que o empresário responde por uso de informação privilegiada e prática anticoncorrencial.
O episódio trouxe a tona outras irregularidades do juiz. Entre elas, ter dado a um vizinho a posse de um piano de Eike, também apreendido na ação, e ter se apropriado de relógios do empresário, que iriam a leilão.
A defesa de juiz argumentou que a decisão dele de guardar o Porsche e um outro carro de luxo de Eike Batista na garagem do condomínio onde mora se deu em razão da preocupação dele em preservar os bens, já que o prédio da Justiça Federal não parecia seguro. Segundo Tonini, o magistrado não passeava com os carros e no dia em que foi flagrado estava, na verdade, levando o Porsche para o fórum, por causa do leilão que estava marcado para poucos dias depois.
O desembargador também desconsiderou os argumentos da defesa. Ao votar, afirmou que o juiz foi flagrado usando um dos relógios do empresario em uma entrevista à imprensa. Ele destacou que o magistrado também recebeu R$ 50 mil do relojeiro convocado por ele para fazer a perícia dos bens, a título de empréstimo. “Ele [o relojeiro] apenas transferiu o dinheiro, sem qualquer garantia, a uma pessoa recém-conhecida”, ressaltou.
Sobre os carros, Athiê disse que “a alegação do juiz de querer levar os veículos mais caros para casa, para protegê-los, não convence”.
Declarações à imprensa
Por fim, o TRF-2 julgou o juiz pelas declarações feitas à imprensa. Em uma entrevista à Folha de S. Paulo, Souza disse que era comum os juízes fazerem uso de bens apreendidos. Ao G1, criticou o juiz que o sucedeu nos processos contra Eike ao dizer que a decisão dele de desbloquear os bens do empresário o deixava deprimido e o fazia acreditar menos na Justiça. A defesa disse que as declarações foram deturpadas.
O desembargador dessa ação, desembargador Marcus Abraham, também não aceitou os argumentos. De acordo com ele, as declarações foram meses depois da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça, o afastar do cargo e o proibir de se manifestar sobre as ações contra o empresário.
Abraham destacou que a imprensa é regida por um código de ética e é muito difícil acreditar que diversos veículos, muitos de credibilidade nacional, tenham deturpado as falas do réu. “Não é possível que quatro veículos tenham incorrido nisso. Ainda mais quando ele mesmo disse que esteve em contato com a imprensa”, ressaltou.
Renato Tonini disse à ConJur que vai aguardar a publicação das decisões para saber que atitude a defesa irá tomar. Ele lembrou que ainda na esfera administrativa cabe recurso ao CNJ. “Vamos analisar com calma voto, os fundamentos de cada um desses votos, para analisar eu providência vamos tomar”, afirmou.
Além dos processos administrativos, Flávio Roberto responde a um processo criminal, também no TRF-2.
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