Como se resolve a violência? Na (bancada da) Bala!
nossa magna carta, promulgada em 1988, recebe a alcunha de constituição cidadã. Este carinhoso apelido se dá pelos incríveis avanços constitucionais garantidos por ela. Ao logo de 26 anos, no entanto, o compêndio de leis parece mais um sonho infantil que um ordenamento jurídico.
Dentre muitos casos, exemplifico tal afirmação partindo da seguinte proposição da Lei de Execução Penal:
“Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados)."
Já dizia Foucault em Vigiar e Punir que “a prisão, em sua realidade e seus efeitos visíveis, foi denunciada como o grande fracasso da justiça penal”. Aos olhos dos defensores dos direitos humanos, o trecho constitucional parece piada de mau gosto, para os conservadores que acreditam na repressão policial e o trancamento em instituições prisionais como as nossas, parece não ser suficiente o grau de insalubridade e desumanidade destes locais. Hoje, representados no Congresso Nacional, essa ala conservadora tem voz. Chamados de “bancada da bala”, alguns nomes famosos como Jair Bolsonaro e Alberto Fraga contam com apoio de pelo menos mais 19 congressistas. Entre eles o delegado Waldir, eleito no estado de Goiás pelo PSDB, aliás, deputado federal mais votado no estado. Seu slogan deixa claro sua intenção “4500, 45 do calibre, 00 da algema”.
Aos fiéis da repressão advirto: não há relação entre diminuição da violência e sistema prisional rigoroso/violência policial! Essa é uma das poucas afirmações categóricas que faço sem medo.
Pegando o mapa da violência mundial, o Brasil detém a quarta maior população carcerária do planeta, 536 mil detentos, perdendo apenas para os EUA, China e Rússia. Lembrando que os 3 países citados não são, nem de longe, referência de segurança pública. O Brasil tem como mais um dado de comparação alarmante a 7° posição do ranking de maior número de assassinatos, singelos 56337 no ano de 2012, sendo deste total 41127 negros, 91% homens. O número parece espantoso? Segurem o estômago para o número de estupros: 50617 no ano de 2013, isso refletiu o aumento de 18% em relação ao ano anterior.
E qual a proposta dos queridos congressistas da bala? Redução da maioridade penal para 16 anos, essa é a prata da casa. Em conjunto com essa atrocidade mais que irresponsável, condenada até mesmo pela Organização das Nações Unidas (ONU), vem aquela série de propostas radicais: prisão perpétua, pena de morte, trabalhos compulsórios e isolamento total.
Mal havia sentido o gosto da vitória e o delegado Waldir mostrou a que veio. Em sua página no facebook, entre uma atrocidade ou outra que ele destila em suas publicações, soltou esta pérola sobre o serial killer de Goiânia: “este serial, se não cometer suicídio ou for morto no presídio.....será sustentado pelas famílias das vítimas...com todas regalias que nosso sistema prisional oferece” , tudo indica que o delegado é a favor de introduzir a discussão sobre a pena de morte no Brasil, além de achar mais que aconchegantes as cadeias tupiniquins.
Julgando que fosse eficiente e pudesse ser colocada em total suspensão moral, a pena de morte, ainda assim, é um fardo custoso para qualquer sociedade que a adote. A eficiência, definitivamente, não é o caso. Há experiências ao redor do mundo, todas elas muito mal sucedidas, que comprovam a ineficiência da pena de morte para a redução da criminalidade. Obviamente cito a realidade norte americana por ser, entre os países desenvolvidos, aquele que possui maior número de mortes (6) para cada 100 mil habitantes, mesmo contando com prisões perpétuas e um sistema de execução penal altamente punitivo, com sanções duríssimas.
Já na Islândia, em 2013 houve o primeiro caso de homicídio causado pela polícia na história do país. Realidade bem diferente da nossa, já que 1 em cada 4 assassinatos no Brasil é causado pela polícia. Noruega ocupou-se de um problema social sério: estudou fechar penitenciárias por falta de presos. A questão trouxe duas discussões:1- que modelo de segurança pública é esse que não produz criminosos? 2- pensando em transferir seus detentos para Bélgica, a comercialização do criminoso também foi discutida. Vários exemplos ao redor do mundo comprovam que a luta contra a criminalidade não é tão simples como pensam alguns cowboys congressistas.
Quando cito essas inconvenientes constatações, sempre me rebatem com um “isso é lá fora, vamos falar de Brasil”. Ok! Vamos falar de Brasil. Assim fica muito mais fácil sustentar meu argumento. Antes, porém, quero deixar claro que acredito em medidas rigorosas contra o crime organizado, com participação exaustiva de diversos órgãos fiscalizadores e a investigação policial intensificada. Isso não justifica a violência policial brasileira, que de acordo com Martha Huggins é a polícia mais violenta do hemisfério.
Exemplo prático e com um retorno excepcional aconteceu no Distrito Federal. Este tema é algo que faz parte do meu acervo histórico pessoal. Vivenciei isso na pele. Em 1998, Planaltina sofria de uma guerra entre duas gangues que gerou velórios, choros, missas de sétimo dia e até mesmo rimas do consagrado grupo de rap da capital, Código Penal: “a polícia quase sempre chega atrasada/ Mas a morte não para/ Não tem hora marcada/ Pombal e Agreste, Véi, guerra declarada!”. Ainda hoje, puxando na memória, seria capaz de citar inúmeros nomes que morreram em função desse conflito.
Eu, morador do Jardim Roriz (Agreste), vi diversas cenas de violência, cenas que faziam parte da arquitetura social daquela comunidade. Desde espancamentos, cobranças humilhantes de dívidas de drogas, trocas de tiro, violência policial, exploração da inocência da criança (lembrando que um dos mais violentos criminosos dessa época, morreu com dezenas de tiros a queima roupa com 15 anos de idade, dizem que seu primeiro crime foi esfaquear o padrasto aos 11) até os assassinatos em função do ódio acumulado por vinganças infindáveis.
Devido à situação caótica, em 1999, no governo de Cristóvão Buarque, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) fez um mapa da violência no DF. Constatou-se que o horário crítico da violência era de 23:00h até 2:00h. Em Planaltina, para Pombal e Agreste, era a hora da extinção das leis do Estado. Qualquer policial daquela época (se for honesto com sua memória) pode relatar o medo que os próprios agentes da lei sentiam ao patrulharem esses bairros. O que fazer perante tal situação, em que, mesmo a polícia se vê de mãos atadas contra a crescente violência?
A resposta veio sem hipocrisia, de acordo com a ideologia pregada pelo calvo ex reitor da Universidade de Brasília: Desenvolveu-se o projeto Esporte à Meia Noite. Idéia simples, que dependia mais de boa vontade e humanismo que recursos exorbitantes em armas, carros e patrulhamento. O espaço escolar interagiu com a segurança pública. As quadras das escolas foram destinadas a receber cidadãos, aqueles que quisessem, independente de qualquer situação de harmonia ou de conflito com a lei. Os policiais ficaram responsáveis pelo patrulhamento interno das escolas, tentando evitar a proliferação de drogas e conflitos violentos. Um ônibus era destinado a rodar, a partir das 22:00h, por todo o bairro e levar aquela garotada para fazer aquilo que, de fato, maior parte dos garotos da favela gostam: Jogar bola.
Planaltina foi o projeto piloto. O resultado? Diminuição de 67% do índice de violência no horário crítico! O número era absurdo, era acima de qualquer meta esperada, rapidamente, depois de um mês em Planaltina, o projeto se estendeu para mais 3 Regiões Administrativas do Distrito Federal. A experiência motivou todos. A polícia naquela época, passou a administrar melhor sua relação com a população local, até mesmo desenvolveu outros projetos educativos muito admiráveis, como o ônibus museu itinerante da Polícia Civil, que trata nas escolas o problema das drogas, ou o Programa Educacional de Resistência às Drogas da Polícia Militar (PROERD) .
É quando respeitamos a polícia. É nesse momento que a imagem do herói da favela começa a ser contestada. Vale lembrar que em comunidades pobres, o inimigo é o policial e não o bandido. Muitas vezes, como era comum no Jardim Roriz, o criminoso era visto como pessoa distinta, admirado e imitado por muitas crianças. Era ele que tinha acesso a qualquer espaço social e cobiçado pela maioria das mulheres. Mas quando houve esse tipo de interação entre a segurança pública e a comunidade local o crime diminuiu. Não é com cadeia, espancamento e grupo de extermínio (pena de morte aplicada pelas polícias) que a criminalidade é reduzida, mas sim promovendo espaços solidários e humanos, combatendo as desigualdades e oferecendo oportunidades, tanto de lazer, quanto de acesso.
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