Não há muito mais a dizer sobre a provável aprovação da PEC que pretende reduzir a maioridade penal no Brasil. Vários profissionais, da área jurídica ou não, extremamente preparados, já se posicionaram contra a medida. Vale mencionar, principalmente, grupos de policiais que são contra a medida por entenderem que a única consequência será o maior encarceramento no país, sem qualquer redução da violência. Entretanto, a internet permite o desabafo dentro de um espaço democrático e decidi escrever algumas considerações.
Toda e qualquer medida criminalizadora, ou que aumente o alcance da punição, precisa ser cuidadosamente estudada e analisada. Não se pode esquecer que a grande massa da população carcerária brasileira é composta por pessoas provenientes de classes baixas, sem um grau mínimo de instrução, muitas vezes já condenadas pela própria situação pessoal. Nas áreas de periferia, por exemplo, não é preciso praticar um crime para um jovem negro correr o risco de ser sumariamente executado pelas forças de segurança pública do Estado. Segundo a Anistia Internacional, em 2012, cerca de 30 mil jovens foram mortos no Brasil, com índice de 77% de negros.
Seguindo adiante, dados colhidos em 2012 pelo Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, demonstram que a grande maioria dos presos brasileiros não possuem ensino fundamental completo. O quadro mostra um grande grupo de pessoas sem condições de reinserção no mercado de trabalho, pois saem do estabelecimento em situação ainda mais precária. Os mesmos dados expõem a maior parte dos crimes cometidos pelos condenados: contra o patrimônio e tráfico de drogas. Dentre os crimes contra a Administração Pública – peculato, corrupção ativa e passiva, fraudes em licitação – a quantidade de acusados presos é pífia. Quer dizer, crimes que envolvem grandes montantes de dinheiro público, desviados ou utilizados indevidamente, cujas consequências atingem pessoas indeterminadas, são pouco apurados e, quando o são, terminam na impunidade.
Não é preciso grande esforço para perceber que o sistema penal brasileiro está voltado quase completamente aos grupos mais vulneráveis e marginalizados. Para aqueles que, historicamente, saqueiam o Estado, o sistema penal tem o costume de fechar os olhos. Para mostrar serviço e justificar os gastos com segurança pública é mais fácil direcionar o aparato aos mais fracos, aos que não possuem relevância na estrutura de poder. Para essas pessoas o Estado só existe para perseguir e punir. O sujeito que desvia verbas destinadas ao investimento público, cujo comportamento é capaz de matar vítimas indeterminadas, reiteradamente escapa das garras do sistema penal, já que sequer são investigados.
Há, ainda, uma cultura que impera em nossa sociedade, na qual “bandido bom é bandido morto”. A sociedade dá autorização ao extermínio de pessoas sem o devido processo legal, num verdadeiro retrocesso às fases mais primitivas da existência humana. A mesma sociedade que deseja a morte das “pessoas do mal” elege os políticos corruptos de sempre, o que legitima, pelo voto, o continuísmo da bandalheira no Estado. A própria sociedade compra a seletividade do sistema penal ao dar voz a certos parlamentares que defendem a redução da maioridade penal, porém, não cogitam buscar a tão esperada reforma política. Se os membros da Comissão deConstituição de Justiça, que votaram a favor da redução da maioridade penal, o fizeram porque é isso que o povo quer, poderiam começar a reduzir seus salários e suas despesas com verbas públicas porque essa também é a vontade popular.
A realidade brasileira não deixa dúvidas sobre a falácia da redução da maioridade penal como instrumento de combate ao crime. O sistema penal sempre esteve atento aos movimentos das classes mais baixas e não é por isso que deixou de haver a prática de ilícitos nas áreas periféricas mais carentes. Se a lei penal, exclusivamente, resolvesse o problema da criminalidade, o Brasil seria um país muito tranquilo, uma vez que nossa legislação é rigorosa. O grande problema é trabalhar o problema na causa e distribuir melhor o poder punitivo do Estado de forma a reprimir apenas os atos ilícitos mais graves, independentemente de quem os tenha praticado.
A redução da maioridade penal mostra um futuro de encarceramento excessivo num país que já possui a terceira maior população carcerária do mundo. A reprimenda penal recairá apenas aos jovens pobres e marginalizados, tornando-os infratores ainda piores pelas lições que aprenderão nas escolas do crime. Até do ponto de vista econômico a medida é prejudicial, pois o Estado será onerado ainda mais para suprir a demanda por mais estabelecimentos prisionais. Em termos de prevenção, a prisão já demonstrou que não recupera quem cumpre pena. Enfim, reduzir a maioridade penal representa mais do mesmo: ampliar o poder punitivo do Estado para segregar os jovens infratores marginalizados da convivência da população “de bem” que só aceita o criminoso bem vestido das colunas sociais.
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