Depois de 11 anos nos Estados Unidos, o empresário rio-pretense Antonio Mahfuz, 63 anos, promete voltar até o mês de julho para o Brasil, onde é réu em 221 ações judiciais decorrentes de dívida que soma pelo menos R$ 50 milhões. “Só quero resgatar meu nome”, diz Mahfuz, que por cinco anos foi considerado foragido da Justiça brasileira.
Em janeiro deste ano, o juiz Roberto Polini solicitou ao Ministério da Justiça a extradição de Mahfuz, para que a prisão fosse cumprida. Antes, havia rejeitado recurso do advogado de Mahfuz, José Theóphilo Fleury Neto, para que tanto a prisão quanto o pedido de extradição fossem revogados. “Ele teve a prisão preventiva decretada em razão de não comparecer ao processo e não constituir defensor, embora citado por edital. (...) Não há indício de que tenha vontade de voltar para responder ao processo”, escreveu o magistrado.
O Ministério da Justiça, por sua vez, encaminhou em 25 de fevereiro o pedido à Justiça norte-americana. Na última terça-feira, porém, o advogado de Mahfuz, José Theóphilo Fleury Neto, obteve liminar em pedido de habeas corpus impetrado no Tribunal Regional Federal (TRF) e suspendeu temporariamente a extradição. Apesar da vontade de retornar, Toninho, como é conhecido em Rio Preto, mora em uma casa à beira-mar em Hollywood, cidade próxima à Flórida, e é dono de uma empresa de cozinha planejada e acessórios para banheiro, com faturamento anual entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão, de acordo com site norte-americano.
Tamanho conforto e sucesso nos negócios contrasta com a vida pregressa de Mahfuz, em Rio Preto. De 2006 até a semana passada, o empresário não poderia pisar no Brasil sob risco de parar atrás das grades. Tinha contra si um mandado de prisão decretado pela Justiça Federal de Rio Preto em ação penal por apropriação indébita previdenciária - segundo o Ministério Público Federal, ele teria deixado de recolher R$ 88 mil ao INSS, referente à contribuição patronal sobre a folha salarial dos empregados da A. Mahfuz. “Como a Justiça não conseguia localizar seu endereço para citá-lo, foi decretada a prisão, mecanismo para forçar o réu a responder pelos seus atos”, diz a procuradora do MPF Anna Cláudia Lazzarini.
O imbróglio de Mahfuz com a Justiça se arrasta desde 1991, quando começaram a pipocar as dívidas da A. Mahfuz, na época uma das maiores redes de lojas de eletrodomésticos do País, com 126 unidades espalhadas por três Estados. Quando o passivo do empresário tornou-se impagável, decidiu mudar-se para a Flórida, em janeiro de 2000. “Ele disse que passaria um tempo por lá, mas que voltaria. Depois, acho que ficou com medo de retornar ao Brasil”, afirma um parente próximo, que não quis se identificar. “Fiquei sem empresa, sem emprego, sem dinheiro. Tinha de recomeçar a vida”, justifica o empresário.
A escolha da Flórida não foi por acaso. Nos tempos áureos da A. Mahfuz, Toninho viajava religiosamente três vezes por ano para Miami, a passeio. “Ele dizia que um dia ainda moraria por lá”, afirma o familiar. Outro parente condena a atitude do empresário. “Ele não matou ninguém aqui, não tinha por que ir embora daquele jeito. Se tivesse ficado, talvez já tivesse resolvido todas as suas pendências.”
O fato é que Mahfuz nunca mais pôs os pés no Brasil. Nem poderia. Logo após a mudança para os Estados Unidos, a 17ª Vara Cível de São Paulo decretou sua prisão, por ter sido depositário infiel em dívida contraída em 1991 pela A. Mahfuz com o banco Chase Manhattan. Devido ao mandado, o empresário não pôde assistir ao casamento do filho Elias Mahfuz Neto, na Capital, em 2007 - ele só obteve habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ) após o evento.
Durante a cerimônia, um constrangimento para a família: com a informação de que Mahfuz estaria no casamento, a Polícia Federal fez blitz na recepção da festa, e chegou a deter um primo do empresário pensando tratar-se de Antonio. No ano passado, Toninho também esteve ausente do casamento do seu outro filho, Eduardo, e do enterro do corpo da mãe, Victoria Srougi Mahfuz, morta aos 93 anos.
“Ele ficou desesperado quando soube do falecimento dela”, afirma um amigo, que aceitou conversar com o Diário sob a condição de anonimato. Agora, segundo parentes, Mahfuz quer retornar a Rio Preto até a metade do ano. Quando pisar aqui, não encontrará rastro do seu império de lojas: todos os imóveis foram a leilão ou estão penhorados para pagar parte de sua dívida milionária.
Fracasso ficou como chaga na história da família
Os motivos da derrocada da A. Mahfuz, uma das maiores redes de eletrodomésticos do País, com 126 lojas em São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, permanecem um mistério. Amigos atribuem o início da crise à abertura das importações no governo Collor (1990-1992), enquanto familiares culpam a incompetência gerencial dos funcionários. “Ele foi mal assessorado administrativamente”, afirma um parente. Para Antonio, foram as dificuldades em cumprir as pesadas obrigações fiscais.
De todo modo, o fracasso da A. Mahfuz permanece uma chaga na história de sucesso da família com os negócios, que começou com o patriarca, Elias Mahfuz (1903-1971). Imigrante sírio, Elias chegou ao Brasil em 1926 e se estabeleceu em Mirassol, onde fundou a Casa Esperança, loja de tecidos e calçados, em sociedade com seu irmão, João. Onze anos depois, casou-se com Victoria Srougi, também síria, com quem teve cinco filhos, quatro mulheres e um homem, Antonio.
Nos anos 60, os irmãos Elias e João adquiriram a Casa Guarani, loja de tecidos de Mirassol, e fundaram a distribuidora de gás Alta Araraquarense, que distribuía gás de cozinha a 56 cidades da região, e a Mahfuz, loja de eletrodomésticos com unidades em Rio Preto, Catanduva e Votuporanga. Com a morte do pai, em 1971, Antonio assume a sociedade. Treze anos depois, com a morte do tio, assume o lugar seu filho, João Mahfuz Júnior. Começam então as rusgas entre os primos, que culminou com o fim da sociedade: a parte de João foi rebatizada J. Mahfuz (que permanece até hoje) e a de Antonio, A. Mahfuz. Procurado, João não quis dar entrevistas.
Maior, a A. Mahfuz cresceu e se expandiu pelo interior paulista, além de Mato Grosso do Sul e Paraná. A rede chegou a ter 126 filiais, e capital social de R$ 4,2 milhões. “O Toninho é um comerciante nato, entendia muito do ramo de negócio da empresa”, afirma um parente. Mas as dificuldades não demoram a surgir. Já em 1993 o banco Chase Manhattan começa a penhorar ações da empresa a fim de cobrir parte de dívida contraída dois anos antes.
A A.Mahfuz chegou a pedir concordata, mas conseguiu se recuperar na metade dos anos 90, com o início do plano Real. As dificuldades retornam a partir de 1997, quando as dívidas da empresa com o Fisco, bancos e até fornecedores de móveis explodem. Até 1999, a A. Mahfuz encerra 54 filiais, e mingua até a decretação de falência pela Justiça, em novembro de 2000. Nessa época, Antonio Mahfuz já estava bem longe de todo o imbróglio, na Flórida.
Ações judiciais
A reportagem levantou 221 ações que Antonio responde na Justiça, 219 delas por dívida tributária, com bancos, fornecedores de móveis e até donos de imóveis locados pela empresa. “A A. Mahfuz deixou de pagar aluguel e energia elétrica de um imóvel meu no Centro. Desde então eu tento perseguir o crédito, mas só consegui levar alguns bens a leilão”, diz o advogado José Carlos Aguiar Buchala.
No caso das ações fiscais, a maioria está suspensa a pedido dos procuradores das receitas Federal e Estadual, à espera de que algum bem do empresário seja localizado e leiloado. Uma tarefa difícil, segundo o advogado do empresário, José Theóphilo Fleury Neto. “Todos os bens dele foram leiloados ou estão com penhora”, afirma. Nem a Procuradoria de Contencioso Tributário do Estado nem a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional informaram o valor atual da dívida de Antonio Mahfuz. O Diário apurou que seriam pelo menos R$ 50 milhões, em uma estimativa conservadora.
Crise abalou até amizades
A falência da A. Mahfuz afetou antigas amizades do empresário Antonio Mahfuz. Ele e Flamínio Dalul, também filho de imigrantes árabes, foram amigos de infância em Mirassol, e nos anos 60 jogaram juntos no futebol varzeano de Rio Preto. A amizade se estendeu pelos anos, e chegou aos negócios: nos anos 70, Flamínio vendeu uma de suas fábricas, a Fabrilar, para Antonio, e continuou fornecendo móveis para a A. Mahfuz até os anos 90. Metade da produção de Flamínio acabava nas lojas do amigo Antonio.
Mas, o que era um bom negócio para a família Dalul virou pesadelo quando a empresa de Antonio faliu: Flamínio ficou com uma dívida de cerca de R$ 1 milhão. O crédito nunca foi pago, e Flamínio também faliu alguns anos depois. Magoado, nunca mais procurou Antonio, até que este telefonou, há dois anos. Desculpou-se, pediu para esquecerem os problemas do passado. Flamínio aceitou as desculpas. Morreu no ano passado.
MP diz que houve fraude em impostos
Às ações cíveis, somam-se duas ações penais contra Antonio Mahfuz, uma por apropriação indébita previdenciária, em trâmite na 1ª Vara da Justiça Federal de Rio Preto - pelo qual chegou a ser decretada sua prisão preventiva - e outra na 2ª Vara Criminal de Rio Preto, por crime contra a ordem tributária.
De acordo com denúncia do promotor Marco Antonio Lelis Moreira, “com a inescondível intenção de suprimir tributo relativo a ICMS”, Antonio “fraudou a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos em documentação fiscal”. Ainda conforme a Promotoria, em janeiro de 1997 Antonio remeteu produtos da matriz da A. Mahfuz em Rio Preto para uma das filiais em Mirandópolis (SP) com endereço de clientes da empresa. O objetivo seria escapar do pagamento de R$ 4,8 mil em ICMS - valores da época. A suposta fraude foi descoberta por agentes fiscais, durante blitz.
A exemplo da ação na Justiça Federal, o processo foi suspenso em maio de 2005 pelo então juiz, Robledo Matos Alves de Morais, porque os oficiais de Justiça não conseguiam localizar o endereço do empresário a fim de citá-lo no processo.
Reportagem ao http://www.diarioweb.com.br em 20 de marrço de 2011
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