Após realizar sua última sessão, de 10 a 28 de março, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas publicou, na semana passada, um relatório com conclusões sobre o estado os direitos humanos nos Estados Unidos.
O órgão da ONU, com sede em Genebra, denunciou graves problemas
como discriminação racial, pena de morte, tortura, violência policial e
criminalização dos sem-teto, entre outros, além de fazer recomendações e
destacar aspectos positivos.
“O Comitê lamenta que o governo dos EUA ainda considere que o Pacto
[dos Direitos Civis e Políticos] não se aplique a cidadãos fora de seu
território, algo contrário à interpretação do acordo”, diz o relatório,
que também nota que o país possui poucas instituições e políticas, a
nível local e federal, de implementação e respeito aos direitos humanos.
“Somados, esses fatores limitam consideravelmente a extensão legal e a
relevância prática do Pacto”. Como recomendações gerais, o relatório
pediu ao governo para que reconsiderasse suas posições legais sobre a
aplicabilidade das leis de direitos humanos, engajasse as autoridades e
fortalecesse sua rede de monitoramento e implementação dos direitos em
todos os níveis – local, estadual e federal.
Discriminação no Judiciário e pena de morte preocupam
Apontando para grandes desigualdades raciais no judiciário
norte-americano, o relatório denunciou a “super-representatividade de
certas minorias étnicas e raciais nas prisões”. Segundo o Departamento
de Estatísticas Jurídicas dos EUA, em 2006, quase 5% da população negra
não latina no país encontrava-se encarcerada, contra 1,9% dos latinos e
somente 0,7% dos brancos não latinos.
O relatório demonstrou ainda preocupação com políticas de segurança
baseadas em perfis raciais, que “miram certas minorias étnicas” e, por
exemplo, “mantêm indivíduos muçulmanos sob vigia mesmo que sem suspeitas
de qualquer ato criminoso”.
Já a pena de morte continua um tópico polêmico nos EUA – o único país
das Américas com execuções ativas. Além de frisar que o número de
afrodescendentes condenados à pena capital é desproporcional, o Comitê
alertou para o “alto número de pessoas inocentes sentenciadas à morte”.
Dezesseis Estados norte-americanos não provêm nenhum tipo de
compensação por execuções errôneas, sendo que muitos outros possuem
compensações insuficientes. Desde 1976, os EUA executaram 1.373 pessoas –
quase dois terços (65%) nos Estados do Texas (512 mortes), Virgínia e
Oklahoma (110 mortes cada).
Violência policial e tortura
Outros tópicos importantes levantados pelo Comitê são a alta
incidência de violência armada entre os cidadãos, o uso desmedido da
força por parte da polícia e a prática da tortura. Com mais de 30 mil
mortes por armas de fogo (sendo 11 mil homicídios) somente em 2010, os
Estados Unidos são o país desenvolvido com o maior número de fatalidades
deste tipo, relativo à sua população.
Tal
violência encontra reflexos nas ações policiais, que registraram um
“alto número de disparos fatais”, um “uso excessivo de força por certos
agentes de segurança, incluindo o manuseio fatal de tasers” e, no que
diz respeito à imigração, “ações letais pelo Serviço de Proteção de
Fronteiras e Alfândega na fronteira com o México”.
Adicionalmente, diz o relatório, “o Comitê está preocupado com a
falta de leis abrangentes que criminalizem todas as formas de tortura”,
bem como “pela dificuldade de vítimas desta prática em conseguirem
compensação”. Com isso, o relatório pediu a proibição expressa da
tortura e uma legislação que melhorasse a investigação e punição de seus
perpetradores.
Legislação trabalhista falha e criminalização dos moradores de rua
Em paralelo ao aumento da pobreza e das desigualdades
socioeconômicas, o relatório alerta para as precárias condições de
trabalho no país. Além da criminalização da prostituição e da
insuficiência de investigações sobre casos de exploração laboral e
sexual, o Comitê aponta que “certas categorias profissionais, como
trabalhadores rurais e domésticos, estão excluídos de leis de proteção
do trabalho, ficando mais vulneráveis ao tráfico e à exploração”.
Os problemas sociais se alastram através de políticas incomuns aos
países desenvolvidos, como medidas de punição física em escolas
(inclusive em crianças) e instituições penais, bem como o aumento de
práticas coercitivas nos serviços de saúde mental, como a aplicação
forçada de medicamentos psiquiátricos e eletrochoques.
Mais gravemente, o relatório menciona “um tratamento cruel, inumado e
degradante” com os pobres e desabrigados do país, dizendo-se “alarmado
pelos relatos de criminalização de pessoas vivendo nas ruas por atos
simples como comer, dormir ou sentar por longos períodos em áreas
públicas”. O Comitê pediu enfaticamente a abolição de políticas com essa
finalidade.
NSA e ‘drones’: ameaças aos direitos humanos
O relatório dedicou especial atenção aos casos de espionagem digital
realizados pela Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA), afirmando
que “o atual sistema de monitoramento da NSA falha em efetivamente
proteger os direitos dos cidadãos.
Baixas devidas ao uso de veículos aéreos não tripulados (VANT) – mais
conhecidos como “drones” – foram criticadas pela “falta de
transparência nos critérios para os ataques” e pela “ausência de
responsabilização sobre as perdas resultantes dos mesmos”.
Segundo o Comitê, a interpretação vaga do que seria uma “ameaça
iminente” e a dificuldade dos veículos em distinguir civis de
combatentes põem em xeque o uso dos aparelhos em confrontos, sendo
necessária uma urgente revisão de tais práticas militares.
O Comitê também citou os problemas na prisão de Guantánamo, afirmando
que os EUA devem “acelerar a transferência de presos designados para a
transferência, inclusive para o Iêmen, assim como [acelerar] o processo
de revisão periódica para os detidos”, garantindo ou seu julgamento ou
sua libertação imediata.
O Comitê da ONU foi enfático ao pedir o encerramento da prisão norte-americana de Guantánamo, uma posição já exposta diversas vezes por autoridades de alto escalão das Nações Unidas.
O órgão pede ainda o fim do sistema de detenção administrativa, sem
acusação ou julgamento, que seja assegurado que “todos os casos
criminais contra detidos em Guantánamo e instalações militares no
Afeganistão sejam tratados dentro do sistema de justiça criminal, em vez
de comissões militares, e que aos detidos sejam oferecidas as garantias
de um julgamento justo consagrado no artigo 14 do Pacto”.
Oitenta mil pessoas em confinamento solitário
Em 2013, em meio a uma greve de fome em massa na Califórnia, o
relator especial da ONU sobre tortura, Juan E. Méndez, pediu ao governo
que abolisse o confinamento solitário por tempo prolongado ou indefinido.
“Mesmo que o confinamento solitário seja aplicado por curtos períodos
de tempo, muitas vezes ele provoca sofrimento ou a humilhação física e
mental, agravando o tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante”, disse Méndez, acrescentando que “se a dor ou o sofrimento
resultante é grave, o confinamento solitário equivale à tortura”.
Aproximadamente 80 mil prisioneiros nos Estados Unidos são submetidos
ao confinamento solitário e atualmente 12 mil prisioneiros estão em
isolamento no estado da Califórnia.
Sobre o Comitê de Direitos Humanos da ONU
Com sede em Genebra, na Suíça, o Comitê de Direitos Humanos da ONU
é o órgão de especialistas independentes que monitora a implementação
do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos por seus
Estados Partes. Todos os Estados Partes são obrigados a apresentar
relatórios periódicos ao Comitê sobre a forma como os direitos estão
sendo implementados.
Eles devem realizar a primeira comunicação um ano após a adesão ao
Pacto e, em seguida, sempre que haja pedidos do Comitê (geralmente a
cada quatro anos). O Comitê examina cada relatório e levanta suas
preocupações e recomendações ao Estado Parte na forma de “observações
finais”.
Fonte: http://www.onu.org.br
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