No pequeno povoado de Cocos, na zona rural de Benedito Leite (MA), um carente município de um dos mais pobres estados brasileiros, um convênio no valor de R$ 970 mil foi firmado em 2009 com a prefeitura local para a construção de uma pequena escola. Quatro anos depois, a construção, inacabada, ruiu.
O caso verídico é usado pelo juiz maranhense Márlon Reis como exemplo do poder nocivo da corrupção no processo eleitoral e suas nefastas consequências no exercício de mandatos eletivos. Membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e um dos articuladores do projeto de autoria popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, o magistrado compilou em livro o lado obscuro das campanhas eleitorais.
Em "O Nobre Deputado - Relato chocante (e verdadeiro) de como nasce, cresce e se perpetua um corrupto na política brasileira", lançado nesta sexta-feira, 27, na Livraria Cultura, em São Paulo, o autor relata práticas nada republicanas do deputado Cândido Peçanha para chegar ao poder.
O personagem é fictício, mas as práticas descritas por eles são reais. Foram relatadas ao autor por centenas de atores da política brasileira, entre eles detentores de mandato eletivo. "O trabalho de pesquisa foi enriquecido com a análise de provas colhidas em processos judiciais.
Reis realizou entrevistas em diversos Estados brasileiros e concluiu que há um padrão na adoção de certas práticas em todas as regiões do País. Entre suas fontes, cujas identidades ele preserva, há um senador. "Ele me explicou que o resultado de qualquer eleição brasileira já estava definido muito antes do encerramento da votação. Muito antes da abertura das urnas", relata Reis.
Segundo ele, as práticas descritas reduzem a nada a vontade do eleitor individual em uma eleição. "O que conta é a quantidade de dinheiro arrecadado para a campanha vencedora, que usa a verba num infalível esquema de compra de votos. Arrecadou mais, pagou mais. Pagou mais, levou. Simples assim".
O autor divide o livro em duas partes: a corrupção na arrecadação de dinheiro para as campanhas e as artimanhas para converter os recursos arrecadados em votos.
A arrecadação de irregular de dinheiro, descreve, é feita por meio de doação não declarada de campanha, desvio de dinheiro de emendas parlamentares e convênios, licitações viciadas e agiotagem. A conversão se dá pela compra de apoio e de votos.
Reis afirma que ouviu relatos em que deputados condicionam a liberação de emendas parlamentares à devolução de 75% do valor liberado. "O deputado propôs que o prefeito ficasse com os 25% restantes. Ou seja, o dinheiro dessa emenda seria literal e integralmente roubado", disse.
Segundo o juiz, é comum um candidato receber dinheiro, não declarado, para a campanha sob a condição de pagar o valor em parcelas mensais, durante os quatro anos do mandato, com juros mensais que podem ser maiores que 20%. "Existe o agiota bom e o mau. O bom fica com o prejuízo quando o candidato não se elege. Mas o agiota mau cobra o dinheiro com ameaças e pode cometer crimes como sequestro e até assassinato".
O juiz relaciona ainda as eleições à prática de outros crimes. "Em anos de eleição há picos de ocorrências de assaltos a banco. Nos anos sem eleição a incidência é bem menor".
Márlon Reis diz que sua proposta ao lançar o livro é expor para o grande público os crimes por trás das campanhas eleitorais e, com isso, combatê-las. O livro, no entanto, causou reações negativas na Câmara dos Deputados antes mesmo de seu lançamento.
No dia 10 de junho, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves afirmou que iria entrar com uma representação no Conselho Nacional de Justiça contra o magistrado. Outros parlamentares também fizeram a mesma ameaça, mas ninguém havia efetivado até esta sexta-feira.
"Escrevi o livro nas minhas horas vagas. O CNJ pode fiscalizar minha atuação como magistrado mas não tem poder sobre meu pensamento e minha atividade intelectual", disse o juiz.
Valmar Hupsel Filho
O Estado de S. Paulo
Editado por Folha Política
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