quinta-feira, 29 de maio de 2014

UMA BOA NOTÍCIA PARA QUEM VIVE TORCENDO CONTRA O SUCESSO DO BRASIL

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, integrantes do grupo BRICS, saíram melhor da crise de 2008 em comparação aos Estados Unidos e a Europa, ocuparam o espaço criado pelo fracasso do neoliberalismo e preparam-se para assumir seu papel na construção de uma nova ordem mundial, com instituições financeiras e políticas a serem constituídas formalmente em julho, na próxima Cúpula de Líderes do bloco, em Fortaleza. Destacam-se um banco e um fundo de estabilização, embrião de Fundo Monetário próprio dos cinco países. Em julho serão examinadas também as propostas de criação de um conselho com presidência e mandato, inclusão de novos países e formação de subcomitês regionais nos continentes de cada integrante. As proposições ocuparam o centro dos debates entre 20 e 23 deste mês na Conferência BRICS no Século XXI, realizada no Coppe – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ, no Rio de Janeiro.

O fundo, estruturado em um trabalho iniciado há dois anos, será um mecanismo de proteção às moedas nacionais dos países integrantes do grupo, para utilização quando ocorrerem problemas cambiais ou ameaças de ataques especulativos. O Brasil contribuirá com 18 bilhões de dólares para a sua constituição, mesmo valor a ser aportado por Rússia e Índia. A África do Sul integralizará 5 bilhões de dólares e a China entrará com a maior parte, de 41 bilhões de dólares. No total, o fundo integralizará 100 bilhões de dólares. Hao Qian, da Universidade de Estudos Internacionais de Shangai, da delegação chinesa participante do encontro, sugeriu a cidade de Shangai para sediar o banco do BRICS. Centro financeiro tradicional e berço de parte da elite do país, não foi tão influenciada pelos valores ocidentais quanto Hong Kong, reincorporada à China em 1997, após 150 anos de ocupação britânica.
O encontro dos BRICS no Rio de Janeiro teve como pano de fundo a estagnação econômica europeia e a recuperação oscilante dos Estados Unidos, empenhado na atração de países da Europa para um mega-acordo comercial Transpacífico (TTP, na sigla em inglês) e de parceiros a Oeste para um tratado Transatlântico (TTIP), ambos com o objetivo de diminuir a penetração de produtos chineses nos Estados Unidos. Esse contexto impõe, na visão de Hao Qian, um “grande desafio” e o bloco deverá se empenhar na construção de “um regionalismo mais inclusivo e cooperativo para aumentar a contribuição à governança global”. As condições para essa atuação estão dadas, avalia Zhang Yan, da Escola de Gestão Guanghua da Universidade de Pequim: “os nossos países estão no mesmo estágio de desenvolvimento, são grandes e querem promover o progresso da população”.
Erra quem subestima a profundidade do abalo mundial deflagrado pela quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos, em setembro de 2008, a partir da falência do mercado de hipotecas de má qualidade. Para Rasigan Maharaj, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica de Inovação da Universidade de Tecnologia de Tshwane, na África do Sul, “o paradigma esgotado há seis anos não se resume ao Consenso de Washington, é muito mais violento. É uma força homogeneizadora. Fomos obrigados a usar os mesmos instrumentos, com resultados devastadores”.
Nenhum país está a salvo dos efeitos da crise, em especial do seu desdobramento na Europa, iniciado em 2011. A estagnação nesse continente criou volatilidade e deprime as perspectivas de crescimento mundial. “O excesso de liquidez provocado pelas agressivas intervenções dos bancos centrais para estabilizar as economias domésticas nos países ricos transborda para as economias dos emergentes e cria séria instabilidade nos fluxos de capitais e nos preços das commodities”, disse Brahma Chellaney, professor do Centro de Pesquisa de Políticas de Nova Delhi, na Índia.
A situação do BRICS é boa, no entanto, se confrontada a de Estados Unidos, Europa e Japão. Entre 2002 e 2012, o comércio intra-BRICS aumentou mais de dez vezes, de 26,7 bilhões de dólares para 276,1 bilhões de dólares. No período de 2009 e 2012, de aprofundamento do abalo econômico e financeiro, as transações internas ao bloco quase dobraram, de 143,6 bilhões de dólares para 276,1 bilhões de dólares. Essa resistência se deve ao fato de o grupo compartilhar políticas econômicas menos influenciadas pelo neoliberalismo, característica responsável por sua maior capacidade de enfrentamento da crise iniciada com a falência do Lehman Brothers. A tenacidade se deve em grande medida ao planejamento central das economias, nos casos da China e da Índia. No primeiro país, esse elemento é constitutivo da política econômica iniciada com a revolução de 1949. A Índia tem planos quinquenais há 60 anos. A África do Sul adotou esse instrumento há um ano. A Russia, primeira do grupo a adotar o planejamento econômico depois da revolução de 1917, o viu se esfacelar na derrocada do projeto socialista. No Brasil, a estrutura do Estado dedicada ao planejamento teve como seu órgão mais importante o GEIPOT, Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes, criado na década de 1960 com participação dos ministérios dos Transportes, da Fazenda e do Planejamento. A crise da dívida externa dos anos 1980 e principalmente o neoliberalismo dos anos 1990 desmontaram a estrutura de planejamento brasileira. Boa parte dos projetos de infraestrutura  do GEIPOT foi reconstituída pela Empresa de Planejamento e Logística, constituída pelo governo federal há pouco mais de um ano.
A parte política da agenda da Cúpula de Líderes deverá incluir o debate de um modelo próprio de solução de divergências e conflitos entre países, em substituição a estrutura ineficiente e quase exclusivamente formal da Organização das Nações Unidas, com “princípios extremamente importantes, como a autodeterminação e a não intervenção permanentemente violados sob justificativa do princípio humanitário e da necessidade de regime change, eufemismo para golpes do estado”, como observou Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante Geral do Mercosul. O encontro de Fortaleza deverá tomar posição também quanto a “necessidade de aumentar a proteção contra espionagem pela rede mundial de computadores”, levantada na reunião do Rio por Vladimir M. Davydov, diretor do Instituto da América Latina da Academia de Ciências da Rússia.
A consolidação do grupo terá consequências para outros países emergentes e deverá resultar em novo equilíbrio de forças no cenário mundial.  “Depois de quatro grandes encontros e um número significativo de certames menores, o BRICS pode ser considerado uma das maiores forças de longa duração a moldar a nova arquitetura das relações internacionais no século 21”, conclui Fabiano Mielniczuk, professor do Instituto de Relações Internacionais do Rio de Janeiro, no texto “BRICS no mundo contemporâneo: identidades em transformação, interesses convergentes”.

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