Rafaella Dotta
Belo Horizonte (MG)
Josely Pontes Ramos é promotora de saúde do Ministério Público e, em 2010, ficou conhecida nacionalmente por entrar com ação civil para investigar os gastos com saúde durante o mandato do ex-governador Aécio Neves. O foco de investigação eram R$ 3,5 bilhões repassados à Copasa entre 2003 e 2008. Em meio à procura de provas, a promotora descobriu que a Companhia não recebia o dinheiro.
A promotora, assim como os críticos ao governo de Aécio Neves, concorda que existe uma interpretação ambígua em relação à verba. O dinheiro pode ter tido uma destinação ilegal, classificada como corrupção. Ou pode nunca ter existido. Ambas as hipóteses são amostras de uma fraude contábil, acusação que pode levar Aécio Neves a perder seus direitos políticos. O procurador-geral de Justiça recentemente extinguiu o processo, mas a promotora afirma que vai lutar para que a ação seja julgada. “Foram 3 bilhões e 500 milhões desviados da saúde em seis anos. Nós estamos falando de 12 anos da mesma prática em Minas Gerais”, afirma, reforçando que a prática se mantém no governo Anastasia.
Brasil de Fato - Promotora, como você decidiu entrar com ação para investigar as despesas de saúde do governo Aécio Neves?
Josely Ramos - Chegaram na promotoria, inicialmente, os pareceres do Tribunal de Contas a respeito da saúde, com a notícia de que o estado enviava recursos para a Copasa, em um volume muito grande. Isso já vinha acontecendo desde 2003. Então, busquei as Leis Orçamentárias de 2003 a 2008 e no recurso da saúde apareceu a Copasa realmente abocanhando quase a metade, e às vezes a metade, do dinheiro da saúde. Então, eu notifiquei o presidente da Copasa para vir à promotoria e ele não veio. Notifiquei a contadora-geral do Estado, porque é ela que lança os valores mencionados ali [na prestação de contas]. A contadora-geral também não veio. Eu não tinha dúvida em nenhum momento que o dinheiro saía do fundo estadual de saúde e ia para a Copasa. O que era feito dele lá? Era o que eu não sabia.
Como você chegou até a investigação do governo estadual?
Eu fiquei diante de um impasse porque, para o Tribunal de Contas, o recurso saía do Estado e ia para a Copasa. Mas nos balanços da Companhia e nos relatórios de auditoria independente não apareciam esses valores. Em agosto de 2010, recebi as contestações do Estado e da Copasa dizendo que nunca o estado transferiu recurso para a empresa. Aquilo era investimento que a Copasa fez, com capital próprio, no saneamento básico, que foram lançados no orçamento e na prestação de contas do Estado, o que não pode ser feito. A contabilidade pública tem lei, a Lei 4320/64. Lá se diz o que pode constar e não pode constar. Eles feriram a regra da prestação de contas e da Lei Orçamentária. Com base nisso, eu fiz a ação de improbidade contra o Aécio Neves e a Maria da Conceição, em dezembro de 2010.
O procurador-geral da justiça alega que você, como promotora, não podia abrir ação contra um governador e, por isso, quer extinguir a ação contra Aécio Neves e Maria da Conceição. Qual a sua opinião?
Eu jamais investiguei sequer o secretário estadual de saúde. Quando o procurador-geral e a própria defesa [de Aécio Neves e da contadora-geral do Estado] falam que o governador foi investigado e o Tribunal de Justiça acata, isso sequer tem correlação com a norma constitucional. Por quê? Quem ordena o fundo estadual de saúde é o secretário de saúde. Não é o governador o coordenador da despesa. Em outras políticas e outras áreas, é o governador que define, com o secretário de fazenda, por exemplo, o que vai ser gasto. Na área da saúde, não. Em embargos de declaração de um advogado constituído pelo Aécio, ele conseguiu reverter a situação, dizendo que eu o havia investigado porque [a ação] chamava a “Prestação de contas” do governador de 2003 a 2008. Se pelo nome da investigação se define o que tem ali dentro, eu poderia muito bem ter colocado “Carnaval 2002”, não é? Mas não apontaram como eu investiguei, de que maneira, onde e quando. Apenas falaram que eu o investiguei apontando o nome da investigação. A minha indignação é que, apenas com a ação muito avançada, levanta-se essa outra hipótese e o procurador-geral de justiça fala que não houve dano ao patrimônio público.
Qual futuro pretende dar a essa ação civil?
Eu estou ali, lutando para que ela não se extinga. Foram 3 bilhões e 500 milhões desviados da saúde em seis anos. Nós estamos falando de 12 anos da mesma prática em Minas Gerais. No governo Anastasia isso não mudou. Também ele [procurador-geral de Justiça] poderia investigar, agora com essa fraude devidamente confessada no processo. O governo não poderia ter lançado o orçamento da Copasa dentro do orçamento público. Senão fica fácil, pega os tributos e faz investimentos em empresas que não são da administração pública direta. Se chegar a ação aqui para me intimar, vou recorrer ao Tribunal de Justiça, e depois ao STJ e STF.
Quais os problemas que a extinção do processo pode trazer para Minas Gerais?
Primeiro, quem me garante que esse dinheiro não foi [para a Copasa]? Porque fica fácil agora a Copasa falar “Eu nunca recebi recurso” e o Estado dizer “Eu nunca mandei”. Basta eles falarem que eu me convenço? Isso precisa ser esclarecido. Tenho uma ação igual contra o governo Itamar, de R$1 bilhão que ele desviou. Não deu o menor trabalho pra investigar, porque ele não maquiou o orçamento. Já a ação foi extinta agora por conta do governo Aécio. Então, o que vai ser? Se o gestor resolve não cumprir o mínimo para a política pública não vai acontecer nada? Ele não provocou o dano de apropriação do recurso, mas e a saúde, vai ficar sem finanças? Isso eu gostaria de perguntar para o procurador-geral de Justiça. Está autorizado, então?
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