domingo, 7 de julho de 2013

O BACULEJO DA POLICIA É LEGAL?


Resumo: No sentido comum, obaculejo nunca é legal, sempre será um constrangimento. No sentido jurídico, somente será legal se existirem elementos concretos que autorizem o procedimento cautelar de preservação da prova de um crime, isto é, se houver fundada suspeita. Logo, o baculejo não pode ser utilizado como medida de prevenção de delito, sob pena de ofensa ao Estado de Direito. Na prática, essa vedação legal tem sido desrespeitada. Cabe, então, ao Profissional do Direito Penal torná-la cada vez mais efetiva, por dever de ofício, pois a sua ciência não se contenta apenas com o conhecimento do Direito – exige a sua efetivação, para ser Direito.
Palavras-chave: Estado de Direito – Dignidade da pessoa humana – Busca pessoal na persecução penal – Profissional do Direito Penal.
1. Questão proposta – Levar baculejo é legal? A resposta é óbvia. Não, não é legal levar baculejo. Quem já passou pela experiência, relata momentos – eternos momentos – de angústia, tensão, nada legal. E depois, uma sensação de indignação: por que eu? não sou bandido!? Definitivamente, ser apalpado por um policial fardado, de pernas abertas, mãos na cabeça, sob a mira de arma de fogo e aos olhos de todos não é bom. Ninguém gosta de ser (mal) tratado assim. Mesmo aquele cidadão que acredita no rigor penal como solução para o problema do crime, quando leva o baculejo reclama do “despreparo” da polícia. Enfim, no sentido comum, levar baculejo não é legal.
Contudo, para nós, Profissionais do Direito Penal – que raramente levamos baculejo – a questão não é tão simples. Ilegal é aquilo que não está de acordo com a ordem jurídica. Nesse sentido, o baculejopode ou não ser legal, se estiver ou não de acordo com a ordem jurídica. Vamos por partes. Estabelece a Constituição Federal (art. 1º) que: a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento, entre outros, a dignidade da pessoa humana. Isto significa que nas atividades estatais a pessoa humana não pode ser tratada como coisa, como um meio para se atingir um objetivo. Metaforicamente, o Estado brasileiro não pode prender um inocente para salvar a sociedade. Por isso, a Constituição estabelece, no art. 5º, direitos e garantias individuais, ou seja, limitações ao poder do Estado. Entre elas, na questão proposta, destaco que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (inc. X).
Ora, quando a polícia submete uma pessoa no meio-da-rua ao baculejoofende a sua dignidade, violando a sua intimidade, vida privada, honra e imagem. Não é possível um baculejo light. A abordagem policial de um suspeito deve ser enérgica, inclusive para a segurança dos próprios policiais: “todos são bandidos até prova em contrário”. Contudo, não se pode concluir, pelo menos ainda, pela ilegalidade do constrangimento. O Direito é composto de normas e princípios – não basta a simples leitura da letra da lei. É necessário continuar a análise, buscando compreender a ordem jurídica. Nesse passo, a Constituição também estabelece, no art. 144, que é dever do Estado promover a segurança pública através das polícias. Mais do que isso, é do conhecimento geral que o Estado tem o dever de perseguir e punir os criminosos, em uma atividade que recebe o nome de persecução penal.
Assim, de um lado o dever estatal de respeitar a dignidade da pessoa humana e de outro a persecução penal. Daí porque o baculejo pode ou não ser legal, no sentido jurídico da palavra; isto é, no interesse público da persecução penal, a ordem jurídica admite a busca pessoal. Mas o faz, de maneira regrada, como exceção e não como regra. Remédio amargo que o cidadão tem que suportar desde que ocorra na forma da lei – pois, como está garantido na Constituição (art. 5º, II): “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
2. Baculejo legal – O Código de Processo Penal, ao tratar da prova (título VII), autoriza a busca pessoal (art. 240 e §2º), quando houverfundada suspeita – e somente quando houver fundada suspeita – de que a pessoa oculte consigo coisa obtida por meio criminoso ou de porte proibido ou de interesse probatório. A doutrina interpreta extensivamente esse meio de prova (acautelatória e coercitiva), para autorizar, além da inspeção do corpo e das vestes, a revista em tudo que estiver na esfera de custódia do suspeito, como bolsa ou carro. Podendo ocorrer em qualquer fase da persecução penal, mesmo antes do inquérito policial, para apreender tais coisas, independentemente de mandado (art. 244), desde que haja fundada suspeita.
Pois bem. Esse é o problema central do baculejo legal: quando ocorre afundada suspeita? A doutrina não se dedica ao tema. Pelo menos não se dedicava, antes do baculejo virar moda. Hoje, até na comemoração de gol, tem jogador simulando que está sendo revistado, ironicamente, se identificando com os torcedores – o humor é uma forma de resistência do oprimido. Assim, é possível que o Profissional do Direito Penal possa contar em breve com uma bibliografia mais densa sobre o tema. Até lá, trabalhamos com o que temos, ou seja, as poucas decisões dos tribunais. Entre elas, a decisão do Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, no HC nº 81.305-4 / GO, é paradigmática: “Afundada suspeita, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, umblusão suscetível de esconder uma arma, sob o risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder.” (DJU 22/02/02, rel. Min. Ilmar Galvão. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br. Acesso em 08/03/04 – sem grifo).
Além da necessidade de elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, também se deduz, a partir dessa decisão, que o pressuposto da fundada suspeita na busca pessoal decorre do constrangimento que causa. Logo, se a revista não causar constrangimento, não se exige a fundada suspeita. Por exemplo, quando o cidadão passa por detector de metal, da Polícia Federal, instalado em aeroporto internacional – nesse caso, sequer ocorre obaculejo, evidentemente inadmissível nesse espaço social.
Em resumo, o baculejo, em face do constrangimento que causa, para ser legal, no sentido jurídico – pois no sentido comum nunca será legal –, tem que ocorrer como meio de prova, quando houver fundada suspeita de que a pessoa oculte consigo coisa obtida por meio criminoso ou de porte proibido ou de interesse probatório. Repito, tem que ocorrer como meio de prova ou, como prefere parte da doutrina, como medida acautelatória, liminar, destinada a evitar o perecimento das coisas e não como atividade preventiva de delito confiada naexperiência do policial.
3. Baculejo ilegal – Portanto, o baculejo será ilegal quando caracterizar-se como atividade estatal preventiva de delito. Como ocorre, por exemplo, no chamado bloqueio relâmpago ou blitz que realiza também a busca pessoal de maneira genérica – sem a fundada suspeita. Todos que forem parados no bloqueio são revistados. Essa atividade do Estado não tem previsão na ordem jurídica. Entenda-se bem. A blitz de trânsito, aquela que fiscaliza documentos e condições do veículo tem previsão legal no Código de Trânsito. Ilegal é o bloqueio policial que submete o cidadão ao baculejo como ação preventiva de delito. Ele não é suspeito de ocultar nada. Na verdade, é um azarado, estava no local errado na hora errada; por isso obrigado a descer do carro, mãos na cabeça, ser apalpado e o carro vasculhado, sob a mira de arma de fogo e aos olhos de todos.
Da mesma forma, o baculejo é ilegal quando o policial revista um cidadão que estava em local público (por exemplo, andando na rua ou em um bar) com base no ”kit-peba” (rapaz de casacão largo, chinelo e bermudão – Correio Brasiliense, 27/01/01). E vários outros exemplos que o leitor conhece por ouvir dizer, se for Profissional do Direito Penal, ou por ciência própria, se não for.

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