A posse de líderes de Alagoas e do Rio Grande do Norte no comando da Câmara e do Senado expõe a habilidade política da região
Raros deles são do tipo de parlamentar que circula pelo Salão Verde da Câmara com calma, aos sorrisos e gestos largos para colegas e jornalistas.
Comum é vê-los apressados, com papéis na mão, celular no ouvido e um assessor a tiracolo. Se não olhar rápido para o button na lapela, identificando que o sujeito é um parlamentar, você perderá a passagem de um membro da bancada do Nordeste.
A discrição não significa que os deputados e senadores da região não se destaquem. Eles são admirados pela atuação eficiente e pragmática na liberação de emendas, bem como pela liderança mais evidente do que nunca no comando das Casas. A região fez dobradinha na Câmara, com Henrique Eduardo Alves, do Rio Grande do Norte, e no Senado, com o alagoano Renan Calheiros, ambos do PMDB.
Não é uma coincidência. Desde a década de 1980, oito dos 18 presidentes da Câmara foram da região. Alguns saíram da Mesa Diretora direto para o folclore político, como o cearense Paes de Andrade, famoso por mobilizar o avião presidencial para visitar a sua cidade natal quando assumiu interinamente o Planalto, em 1989, e o pernambucano Severino Cavalcanti, que renunciou ao mandato após denúncia de recebimento de propina, em 2005.
No Senado, nove dos 20 mandatos foram ocupados por nordestinos, sem contar os quatro turnos de José Sarney (PMDB), maranhense que concorre pelo Amapá.
Além de serem figuras "mais discretas e maleáveis", conforme o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), parlamentares do Nordeste costumam ter ligação direta com seus municípios.
— No Nordeste, a qualidade do deputado é medida pela quantidade de recursos que ele consegue. O prefeito sabe exatamente qual é o deputado que ele precisa acionar para conseguir um recurso — completa Marcelo Castro (PMDB), do Piauí, Estado com apenas 10 deputados federais.
À exceção da Bahia — com 39 parlamentares e onde, segundo o deputado João Leão (PP-BA), "se o cabra não viajar, não se reelege" —, os representantes dos demais Estados contam com bases políticas mais concentradas. Isso permite mais tempo em Brasília, participando de comissões e estreitando relações em ministérios.
— Às vezes, vale mais se dedicar a uma rodada de jantares em Brasília uma vez por mês do que viajar toda semana para meu Estado — diz Lira.
Interesses em comum pautam ação conjunta
Uma sala específica, no anexo IV da Câmara, faz os parlamentares do RS invejarem os colegas do Nordeste. É onde se reúnem mensalmente representantes da região, com o objetivo de tratar de interesses comuns.
— A união é uma característica deles. Lá nos Estados, eles se matam, aqui eles se juntam — diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS).
Além da proximidade geográfica — que leva os deputados a terem obras de infraestrutura em comum —, os nordestinos se unem nas votações para poderem fazer frente a unidades com mais representantes. Os nove Estados somam 151 deputados. Sozinho, São Paulo tem 70.
Atualmente, um tema é prioridade entre parlamentares da região: a distribuição dos royalties do petróleo. Mas há outras questões em pauta.
— Na última reunião, discutimos a necessidade de faculdades de Medicina, porque o profissional se forma em outros lugares e não quer trabalhar lá — diz Gonzaga Patriota (PSB-PE).
Em 2011, parlamentares da Região Sul tentaram mobilizar uma bancada dos três Estados, liderada por Paulo Pimenta (PT-RS), Edinho Bez (PMDB-SC) e Lúcio Giacobo (PR-PR). Uma reunião foi realizada em Florianópolis, mas a ideia não prosperou.
— O pessoal do Nordeste é articulado. Como presidente da Comissão de Orçamento, era só eu receber um projeto relacionado a uma obra de lá, que já vinham juntas três cartinhas de deputados querendo ser relatores. Agora, me pergunta quantas recebi do Rio Grande do Sul? — questiona Pimenta.
O ponto negativo do pragmatismo nordestino é a troca de lado por conveniência, fato que esvaziou a oposição. Filho do senador Agripino Maia (DEM-RN), o deputado Felipe Maia reclama do fisiologismo dos colegas:
— Emenda parlamentar não deveria ter partido, mas na prática não é assim.
ENTREVISTA
David Fleischer Cientista político da Universidade de Brasília
"É a política ao pé do ouvido"
Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), o norte-americano David Fleischer estuda a composição dos plenários do Congresso desde a década de 1980. A bancada nordestina na Câmara foi tema de um de seus primeiros artigos científicos, em 1983. Abaixo, leia a síntese da entrevista concedida por ele a ZH.
Zero Hora — A chegada de dois políticos do Nordeste às presidências do Senado e da Câmara é uma coincidência?
David Fleischer — A simultaneidade pode ser uma coincidência, mas há, sim, um fato histórico envolvido. Desde a República de 46 (período histórico entre a renúncia de Getúlio Vargas e o golpe militar de 1964), a tradição é, do Sul, despontar líderes do Poder Executivo e, do Nordeste, do Legislativo. São diferentes tipos de liderança. Enquanto os políticos do Sul se destacam pelos discursos, pelas administrações, os do Nordeste são mais afeitos à negociação. É a política ao pé do ouvido. No que os mineiros, sejamos justos, são muito bons também.
ZH — E esses perfis diferentes se devem a quê?
Fleischer — Das origens dos políticos. No Sul, a tradição é os políticos surgirem de ONGs, de associações, de sindicatos ou de dentro dos próprios partidos. No Nordeste, até por serem bancadas menores, ainda existe muito a tradição familiar envolvida. Para conseguir um favor, você deve falar com determinada pessoa de determinada família. As famílias Sarney e, mais recentemente, a Calheiros, são os melhores exemplos disso.
ZH — Há mais fisiologismo nas bancadas do Nordeste?
Fleischer — Sim. Embora ele exista em outros Estados, por lá é mais forte. São políticos muito voltados para as coisas dos seus redutos, então eles são mais propensos a uma troca de favores políticos em Brasília em nome disso. A justificativa é de que são Estados sempre muito carentes de recursos. Que enfrentam intempéries como a estiagem deste ano, que é muito pesada. Então, em nome de liberação de verbas, acaba acontecendo isso.
ZH — E quais são os resultados práticos para a região?
Fleischer — Tem aquela velha gritaria de que São Paulo, pela população, deveria ter mais deputados. Já o pessoal do Nordeste diz que, justamente por serem mais necessitados, precisam enquadrar os paulistas no Congresso. Só que aí eu questiono: há mais de 50 anos mecanismos como a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) foram criados, extintos e recriados. Para onde isso levou a região? Mas eles mudam de assunto.
ZH — Nesse cenário, há espaço para a ascensão de políticos de oposição na região?
Fleischer — Está difícil ser oposição no Brasil inteiro, mas a dificuldade no Nordeste se deve também por uma estratégia bem pensada pelo Lula. Ele sofreu com um Senado com maioria de oposição no seu segundo mandato. Em 2010, ele se dispôs a entregar um Senado mais tranquilo a Dilma e focou demais a campanha em acabar com o DEM, o ex-PFL de Antonio Carlos Magalhães, no Nordeste. Deu certo. Mas vem aí uma eleição interessante se concorrer o Eduardo Campos (governador de Pernambuco, do PSB). Além de ser um tipo diferente de oposição, assim como Aécio Neves (senador do PSDB de Minas Gerais), ele tem o DNA do avô (Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco falecido em 2005).
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